Sinais dos tempos: da ferida à esperança

O Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN) promoveu no sábado, 5 de abril, a 29.ª edição do “Fé e Cultura”, que juntou mais de 400 pessoas em Coimbra para escutar os sinais da realidade e descobrir os sinais de esperança.

A 29.ª edição do Fé e Cultura voltou a reunir vozes e olhares sobre a atualidade, com foco na esperança. O evento, que aconteceu no ano em que o Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN) completa o seu 50.º aniversário, propôs uma escuta atenta ao tempo que vivemos. o P. João Manuel Silva sj, diretor do CUMN, abriu a conferência afirmando que, tal como nos convida o ano jubilar que vivemos, espera-se que o Fé e Cultura acenda em nós “a esperança no tempo que vivemos ao descobrirmos sinais da presença de Cristo, mesmo nos sábados santos que todos atravessamos e que o mundo atravessa”. Dividido em dois momentos —Sinais da Realidade e Sinais de Esperança — esta edição, intitulada de “Sinais dos Tempos” procurou “agitar as águas” e “suscitar perguntas”, num dia pensado para alimentar a contemplação e a reflexão pessoal.

Na primeira parte do encontro, dedicada aos Sinais da Realidade, foram expostos diversos desafios que marcam o nosso tempo. Paulo Portas, Clara Almeida Santos e Pedro Morgado destacaram, respetivamente, os sinais de divisão geopolítica, desumanização cultural e exaustão emocional.

Paulo Portas alertou para a crescente fragmentação do mundo, marcada por alianças em erosão e um sistema de potências, onde reina a lógica do “nós” contra “eles”, que empobrece as relações e alimenta a indiferença. Chamou também a atenção para a “crise da verdade”, em que a manipulação digital mina a confiança pública: “Acreditar em Deus, neste contexto, é um ato de resistência interior.”

A professora universitária Clara Almeida Santos refletiu sobre a forma como a cultura digital, a linguagem e a tecnologia podem desumanizar. Salientou que a aceleração e o excesso de estímulos conduzem a uma existência sem sentido. Defendeu o regresso ao silêncio e à paciência como caminhos de reencontro com a nossa humanidade: “O essencial — pessoas, lugares, sentido — encontra-se no tempo que se perde.” A professora universitária recuperou o conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt, alertando que hoje estamos perante o “mal da banalidade”: uma existência embotada, cheia de conteúdos mas vazia de sentido.

Pedro Morgado, professor e psiquiatra, chamou a atenção para o impacto do paradoxo que hoje habitamos. Por um lado a hiperconexão digital, por outro a ausência de relações verdadeiras. “Precisamos de mais tempo e menos coisas, de mais relações e menos conexões”, afirmou Morgado, num apelo à rehumanização da vida quotidiana, a um regresso à rotina de presença, atenção e profundidade humana.

O P. Vasco Pinto de Magalhães sj introduziu a segunda parte com os seus “sete sinais de fumo”, distinguindo os sinais dos tempos — que são interpelações divinas — do espírito do tempo. Lembrou, com simplicidade e humor, que a escuta interior e a fraternidade são caminhos de esperança.

Seguiram-se nove conversas, com oradores de diversas áreas, distribuídos por três painéis, que deram rosto aos Sinais de Esperança: da política e inteligência artificial, passando por temas mais humanistas, cuidar a velhice, viver com o outro, lidar com a pluralidade ou a diferença.

Durante o final da manhã e o início da tarde, os participantes puderam escolher entre estas propostas para aprofundar reflexões e práticas concretas que respondem aos desafios atuais com criatividade, escuta e compaixão.

O encontro terminou com a intervenção do P. José Frazão Correia sj, intitulada Ponto Sinal, dedicada à esperança. “A esperança é o alargamento da estreiteza”, disse, evocando um artigo do P. João Basto que pode ler aqui no Ponto SJ, que escreveu sobre uma esperança que não é ilusão, mas fidelidade no meio do desespero. “A esperança tem sido colonizada pela auto ajuda e quase reduzida a um final feliz. Mas a verdadeira esperança é sobretudo daqueles que não regressam a casa.” O padre jesuíta lembrou também as palavras de Etty Hillesum, uma escritora judia holandesa que morreu em Auschwitz: “mesmo que só nos reste uma rua estreita, por onde teremos de caminhar, por cima da rua existe todavia o céu inteiro”.

Com esta 29.ª edição do Fé e Cultura, o CUMN reafirma a sua missão de promover espaços de escuta, encontro e discernimento, celebrando também os seus 50 anos de presença em Coimbra ao serviço da fé, da cultura e da juventude universitária.