Tinham passado poucas semanas desde o início do 1º ano e o meu filho mais novo regressou a casa intrigado: perante uma pergunta para a qual não sabia a resposta, resolvera tirar da mochila o manual escolar e consultá-lo. “A professora ralhou comigo… mas se eu não sabia a resposta, não era melhor ir ver do que não responder? Ou errar?”. Procurei explicar-lhe que os testes servem para testar conhecimentos, sem ajudas, mas ele não ficou convencido: “A professora está comigo todos os dias, muitas horas. Sabe perfeitamente o que eu sei ou não sei. Para que é que servem os testes? Só se for para nos deixar nervosos…”
O sonho deste meu filho é visitar o Butão, o único país do mundo que mede a Felicidade Interna Bruta e é carbono negativo, preocupa-se com as grandes questões do mundo e tem algumas ideias para Portugal que gostava de comunicar ao Presidente Marcelo. A escola, essa, é que é uma “seca”, aprendem-se lá coisas “que não interessam” e os testes continuam a deixá-lo numa pilha de nervos… “E se eu estudasse contigo em casa, mãe?”
A pergunta apanhou-me de surpresa, na altura, mas a verdade é que essa era já uma opção para 661 famílias em Portugal, em 2016 (dados do Ministério da Educação). Quatro anos antes eram apenas 63… Podemos apontar inúmeras explicações para o fenómeno, mas aquilo que todas as famílias que optam pelo ensino doméstico têm em comum é o descontentamento face ao ensino atual e a vontade ativa de procurar soluções melhores para os seus filhos. Há mães ou pais a deixar os empregos para assumir essa responsabilidade, outros a juntarem-se a outros pais e profissionais da área da Educação para criarem alternativas, outros ainda a procurarem Centros de Estudo ou a contratarem profissionais para um apoio individualizado. Cresceu também o número de escolas privadas que aposta em pedagogias alternativas, mais respeitadoras da individualidade da criança.
São respostas possíveis – sobretudo quando a alternativa são os chumbos, a desmotivação generalizada ou a revolta – mas não são uma possibilidade para a maior parte das famílias, que não tem forma de deixar os empregos ou pagar escolas com perfil alternativo. Para estas, a resposta continua a ser a escola pública. E é na escola pública que as grandes mudanças têm de acontecer…
Cresci a ouvir as histórias de dois homens que, um dia, decidiram que teriam de “salvar” as novas gerações. Um deles foi D. Bosco, fundador dos Salesianos, que procurou ajudar os jovens sem família que havia em Itália, e que cativou com alegria e artes de saltimbanco. Outro foi Baden Powell, fundador dos Escuteiros, que sonhou um dia educar a juventude inglesa do início do século XX, desanimada e sem rumo, através de técnicas de sobrevivência e vivência na natureza. Consta que os divertia à volta da fogueira com música e teatro, que ainda hoje fazem parte de todos os Fogos de Conselho.
Muitos outros exemplos haverá – e hoje não faltam também movimentos, associações e pessoas individuais que procuram atuar em prol dos jovens mais perdidos, desmotivados, sem rumo – e todos alimentam a minha convicção de que é fundamental pensar em respostas que possam ajudar todas as crianças e jovens, sem exceção, e muito menos exclusão daquelas que mais precisam. Por outro lado, confirmam-me algo em que acredito profundamente: as melhoras respostas, a nível da Educação, passam pela alegria, a felicidade, o bem-estar, a motivação e a empatia. O Amor.
Penso nos jovens sem família que D. Bosco procurou ajudar, ou na juventude “perdida” que Baden Powell reuniu no seu primeiro acampamento, e recordo tudo aquilo que ouvi numa Assembleia de Crianças e Jovens que ajudei a organizar há dois anos, com o movimento Por Uma Escola Diferente, a Associação Fazedores da Mudança e a João Sem Medo. Os jovens falaram de uma escola sem sentido, desligada da realidade deles, com 6 horas de aulas numa sala fechada, a ouvir matérias que, tantas vezes, não lhes interessam, dadas de forma “secante”. Falaram da falta de ligação ao professor (a partir do 2º ciclo) e do desinteresse destes face aos seus problemas, uma vez que o foco é nos conteúdos (pesados e excessivos). Falaram da falta de tempo para fazerem o que mais gostam, para conversarem, para se conhecerem, para brincarem e jogarem. Da falta de tempo em família. “Precisamos de mais psicólogos nas escolas. Temos muitos colegas a sofrer…”, chegou a dizer-nos um aluno do 3º ciclo.
E a verdade é que os professores têm queixas semelhantes. Muitas aulas, muitas turmas, muita burocracia, muito trabalho para casa, pouca empatia para com o seu esforço, pouco ou nenhum reconhecimento. Um estudo recente da Universidade Nova, com 15 mil docentes, revelou mesmo que mais de 60% dos professores sofre de exaustão emocional…
E os pais, estarão melhores? Quando trabalham até tarde, têm pouco tempo para os filhos, e ainda têm de passar esse pouco tempo a obrigá-los a fazer trabalhos de casa ou a estudar para os testes, a insistir com matérias que eles não compreenderam na escola, ou a ter de trabalhar ainda mais para pagar as explicações… Tempo em família? É certo que tenho 4 filhos, uma loucura nos dias que correm, mas tive alguns fins-de-semana em que os meus filhos tiveram de estudar para os 12 testes, no total, que teriam na semana seguinte… Se os alunos e os professores estão em burnout, asseguro-vos que os pais não estão melhores!
Então para que serve, afinal, a escola atual? Para roubar a saúde, física e mental, a todos os seus intervenientes?
Quando o meu filho me perguntou um dia se podia estudar em casa, comigo, eu respondi-lhe que não era possível. A mãe gosta e precisa muito de trabalhar, expliquei-lhe. “Mas não te preocupes. Por ti e por todos os meninos que sentem o mesmo, a mãe vai mudar o Ensino…”
A promessa que lhe fiz persegue-me desde então, no melhor sentido da palavra, e em muito daquilo que tem ocupado os meus dias. Mas é preciso que persiga todos nós, direta ou indiretamente ligados ao Ensino, e nos leve a procurar respostas para os nossos filhos e alunos, mas também para toda a sua geração, essa que, coletivamente, pode fazer uma diferença maior. Apesar das tensões existentes, neste momento, entre professores e Ministério da Educação, há vontade de mudança por parte deste, que se tem traduzido em ações concretas que já começam a dar os seus frutos. O Perfil do Aluno para o Século XXI (baseado em Competências), a Flexibilidade Curricular (que apela à interdisciplinaridade e a novas práticas mais apelativas) ou a discussão sobre as Aprendizagens Essenciais, são pequenos passos de um caminho que se adivinha ainda muito longo, mas que começa a ser traçado. É tempo de nos unirmos, professores e famílias, e nos juntarmos também aos alunos e restante comunidade educativa, para que a escola não seja espaço de estranheza e frustração, de “seca” ou revolta, empecilho para os sonhos que se tenham talentos que se descubram pelo caminho… mas antes espaço de felicidade e alegria, aprendizagem com sentido e crescimento a todos os níveis. Vamos dar o nosso contributo?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.