O P. Luís Gonzaga Cabral, sj vai ser homenageado no dia 1 de outubro, sexta-feira, dia do 155.º aniversário do seu nascimento, no Porto, com o descerramento de uma placa evocativa e a apresentação de um livro. O ilustre jesuíta português que chegou a ser Provincial mas viveu parte da sua vida no Brasil, nos primeiros anos do século passado, vai ser homenageado pela associação Progresso da Foz, com a colaboração da União das Freguesias Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde. Nesse mesmo dia será apresentada a obra “Dos estreitos limites do internato, fui salvo pelo mar. O P. Luiz Gonzaga Cabral, sj e Jorge Amado”, de Manuel Novaes Cabral, sobrinho-bisneto.
Nasceu na Foz do Douro, Porto, no dia 1 de outubro de 1886. Estudou no Colégio de Campolide, em Lisboa, de 1875 a 1882. Entrou na Companhia de Jesus no dia 9 de Outubro de 1882, no Noviciado do Barro, Torres Vedras. Concluídos os dois anos de Noviciado, passou para o Colégio de S. Francisco, em Setúbal, onde estudou, por três anos, humanidades. Em 1887 foi estudar filosofia para o mosteiro de Uclé, na província de Cuenca, em Espanha, onde os jesuítas da província francesa de Toulouse, desterrados, tinham a sua casa de formação. Fez um curso brilhante tendo sido convidado, no final, a fazer a defesa, em ato público, de teses de toda a filosofia.
Regressando a Portugal, em 1890, foi destinado a fazer a etapa do magistério, no Colégio de S. Fiel, em Louriçal do Campo, Castelo Branco, onde lecionou, por quatro anos, filosofia, literatura, história e geografia. Comprometeu-se totalmente nesta etapa de formação e deu largas aos seus dotes pedagógicos e sentido criativo. Foi encarregado das Academias do Colégio e orientou os estudantes na arte da declamação. Em 1894 voltou a Uclés para estudar teologia. Foi ordenado sacerdote no dia 20 de Junho de 1897, em Uclés. Terminou o 4º ano de teologia em Vals, Puy, no Alto Loire, para onde regressou a casa de formação dos jesuítas franceses exilados em Espanha. No ano escolar de 1898/99 completou a sua formação como jesuíta (terceira provação), em Castres, antiga província de Languedoc.
Comprometeu-se totalmente nesta etapa de formação e deu largas aos seus dotes pedagógicos e sentido criativo. Foi encarregado das Academias do Colégio e orientou os estudantes na arte da declamação.
Voltou para Portugal em 1899 e foi destinado ao Colégio de Campolide como professor de latim, português e história. Fez os Últimos Votos, incorporação definitiva na Companhia de Jesus, no dia 2 de fevereiro de 1900, em Campolide. No dia 13 de agosto de 1903 foi nomeado Reitor do Colégio, cargo que exerceu até março de 1908 quando foi nomeado Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus. Os cinco anos em que foi Reitor do Colégio foram marcados por uma grande atividade tanto a nível material, como cultural e espiritual. Levou a cabo a construção definitiva do Colégio dotando-o de infraestruturas magníficas: bons gabinetes de trabalhos científicos, laboratórios bem apetrechados, museus e bibliotecas. Mantinha comunicação frequente com companheiros missionários na Zambézia, Índia e Macau que lhe enriqueceram os museus com preciosas espécies da flora e fauna local que entusiasmavam os alunos na dedicação à ciência e os professores em investigações cujos resultados enriqueciam a revista Brotéria, fundada, no Colégio de S. Fiel, em 1903.
Apesar de toda esta atividade ainda conseguia dedicar tempo à elaboração de obras literárias algumas de eloquência sacra. Foi nesta altura que também se evidenciou como orador sagrado em púlpitos exigentes da capital, na igreja dos Mártires, ou na Sé de Lisboa. A sua orientação pedagógica levou-o a fundar academias literárias e científicas que proporcionavam, aos jovens alunos do Colégio, o desenvolvimento das sua inclinações artísticas e científicas. Algumas sessões destas academias foram honradas com a presença dos Príncipes da Casa Real.
A nível espiritual imprimiu uma boa orientação e organização às Congregações Marianas. Interessou-se por dar continuidade à formação recebida no colégio aos ex-alunos, fomentando um espírito de união intelectual, moral e social, dando começo, em 1904, à “Associação dos Antigos Alunos”, com uma publicação própria, a revista “O Nosso Colégio”.
Foi nomeado Provincial num momento político do país muito complicado e difícil. A situação pedia ao Provincial muita serenidade e prudência, exigindo-lhe clarividência numa orientação firme à qual se não escusou.
Foi nomeado Provincial num momento político do país muito complicado e difícil. A situação pedia ao Provincial muita serenidade e prudência, exigindo-lhe clarividência numa orientação firme à qual se não escusou. Sentia a responsabilidade que sobre ele pesava e sem se meter diretamente em política, não deixou de ser o conselheiro espiritual de tantas pessoas que dele precisavam, procurando manter-se e manter os seus religiosos na defesa pura dos princípios à luz da fé e no respeito às instituições. Era um homem de critérios seguros, alicerçados no Evangelho e alimentados na reflexão orante. Era, certamente, ajudado pelo seu caráter afável, simpático e dotado para a relação e a comunicação.
Procurado e “apetecido” pelos revolucionários do 5 de Outubro conseguiu escapar, graças à ajuda de amigos e à sua habilidade em disfarçar-se, recorrendo à facilidade em falar línguas, ao bom humor e sobretudo à paz que o tornava dono da situação. Uma vez a salvo, teve o cuidado de se dirigir ao seu país, num protesto forte, contra calúnias da imprensa, defendendo a Companhia nos seus religiosos. “Ao meu país” é o título do protesto, com data de 5 de novembro de 1910, redigido em Madrid, que lhe saiu do coração, onde se nota a tristeza de um patriota que vê o seu país expulsar religiosos inocentes, ao serviço do povo. Foi traduzido e largamente espalhado pela Europa. Portugal decretou a confiscação dos exemplares enviados por correio, o que redundou em maior publicidade.
“Ao meu país” é o título do protesto, com data de 5 de novembro de 1910, redigido em Madrid, que lhe saiu do coração, onde se nota a tristeza de um patriota que vê o seu país expulsar religiosos inocentes, ao serviço do povo.
Juntou-se aos seus no exílio e como Provincial teve o mérito de congregar a Província em torno a obras existentes à hora da expulsão, ainda que espalhadas por diferentes países europeus. Casas de formação em Exaten (Holanda) e Alsemberg (Bélgica). A Brotéria que continua a ser publicada e o Colégio de Campolide a reatar as suas tradições em Jette-Saint-Pierre (Bruxelas) e depois em La Guardia. Em setembro de 1912 deixou de ser Provincial e dedicou-se à formação dos jovens jesuítas portugueses em Alsemberg (Bruxelas) como professor de literatura e oratória. A sua abertura ao mundo cultural levou-o a organizar passeios e visitas a museus e lugares de históricos, numa terra privilegiada, como era a Flandres. Em 1915 teve que se deslocar com toda a comunidade, por causa da guerra, para Múrcia, Espanha.
Em 1917 foi enviado para o Brasil onde os jesuítas portugueses fundaram uma missão dependente da Província Portuguesa que veio a tornar-se Vice Província independentes em 1938. O seu destino foi o Colégio “António Vieira”, na Baía. Dedicou-se à docência, mas também à orientação de retiros e à pregação. Orientava espiritualmente todo o género de pessoas, desde intelectuais, a estudantes e operários. Era conhecido e apreciado pela comunidade portuguesa que o convidava, quase como orador oficial, para dar brilho às celebrações. Foi ele que discursou, no dia 9 de julho de 1922, numa saudação patriótica e de louvor, aos heroicos Gago Coutinho e Sacadura Cabral que ligaram, em voo direto, numa frágil aeronave, Portugal ao Brasil.
Foi neste Colégio que, graças à sua sensibilidade artística em apreciar talentos, descobriu numa simples composição literária, pedida aos alunos como um ensaio escolar, o que veio a ser o grande escritor Jorge Amado. Tinha 11 anos.
Foi neste Colégio que, graças à sua sensibilidade artística em apreciar talentos, descobriu numa simples composição literária, pedida aos alunos como um ensaio escolar, o que veio a ser o grande escritor Jorge Amado. Tinha 11 anos. É o próprio escritor que o conta nas suas memórias intituladas “O menino grapiúna”, publicadas em 1981. Jorge Amado nunca mais esqueceu este toque subtil do seu mestre ao anunciá-lo como grande escritor e sobretudo por lhe transmitir o amor aos livros e o introduzir no mundo da criação literária.
No dia 19 de agosto de 1930 foi nomeado Reitor do Colégio. Com todo o seu entusiasmo empreendeu a construção do moderno Colégio António Vieira, determinado em que viesse a ser o melhor edifício pedagógico do Brasil. A crise económica que atingiu os países americanos, por 1933, fê-lo passar por muitas dificuldades económicas. Em 1933 foi para S. António da Barra, residência do superior da Missão e era Consultor. Em 1934, com a saúde abalada, voltou a Portugal. Em 1935 regressou ao seu Colégio onde ainda trabalhou como professor, se dedicou a alguns trabalhos apostólicos e trabalhava na preparação de alguns volumes para a imprensa. No dia 28 de janeiro de 1939 expirou serenamente.
Obras: para além de artigos nas revistas “Mensageiro do Coração de Jesus”, “Études” e “Brotéria”, publicou: Ao meu paiz, Madrid, 1910; Como eu conspiro (separata), Valladolid, 1911; Passado um anno de exilio, Carta aos padres e irmão da Província Lusitana, Bruxelas, 1912; Vieira-Pregador, 2 vol., Porto, 1901; Inéditos e dispersos, 12 vol., Braga, 1922-1937; Eucológio da Mocidade Brasileira (orações e ascetismo prático), Bahia, 1933; Cartas da Viagem, Braga, 1937; Poesias, Bahia, 1939; Sermões, Bahia, 1943.