“Que segredos estavam guardados naquele silencio de adolescente? Porque é que eu gostava tanto da janela que dava para o poente? As pessoas dizem que eu sou uma menina piedosa, mas não é isso que eu sinto. Não sou como a Raquel, que passa o dia inteiro atrás do rabino e a recitar salmos. Eu gosto do silêncio por si só, ou de estar a janela. É como se uma impressão íntima viesse cá para fora quando contemplo a paisagem, quando a olho a partir desta coisa, deste poiso íntimo, que vigia com gozo no mais profundo de mim, e ela me acaricia a alma. Então sim, então às vezes recito um salmo, mas não é porque me faça falta, já que é como se tudo fosse um salmo – ver o meu pai, transpirado, a subir a ladeira à vinda do trabalho; brincar às casinhas com a Isabel; ajudar a minha mãe a pôr a mesa; ir buscar água à fonte…”

(As Palavras Caladas, Pedro Miguel Lamet sj.)

 

No livro “As Palavras Caladas” do Padre Pedro Miguel Lamet, o que mais me maravilha é a descrição de Maria durante a sua juventude, antes de saber que ia ser mãe de Jesus.

O silêncio, a serenidade, a calma, o cuidado, a humanidade, a ternura, a descrição do seu dia-a-dia completamente banal, o amor simples de Maria e José, tornam clara a escolha de Deus para Maria ser mãe de Jesus. Nascendo pequenino não podia ter nascido de alguém que também não fosse pequenino, simples e puro.

Desde o fim de Agosto que as linhas de fundo deste ano estão muito presentes na minha vida e que a frase “Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas” não me sai da cabeça… Ando mesmo inquieta, numa loucura de reuniões, jantares e programas aos quais todos são importantes e merecem o seu sim. E tantos são os que ficam para trás e que aos quais sinto que não estou a conseguir responder. Tenho sentido que não estou inteira em nada do que faço e que não estou a conseguir chegar verdadeiramente a lado nenhum.

Esta consciência da “dualidade” de Marta e Maria tem-me dado voltas à cabeça e inquietado o coração. Parece que fiquei mais consciente da hospitalidade das mãos de Marta e da hospitalidade do ouvido de Maria e que, à medida que me torno mais consciente disto, fica mais difícil discernir sobre quem devo ser… De decidir sobre quando Jesus me pede para me pôr ao serviço ou quando Jesus me pede para simplesmente estar, ouvir e fazer companhia.

No meio destas dúvidas, tenho percebido que muitas vezes escolho servir e fazer muitas coisas, porque é a decisão mais fácil. É mais fácil ser logístico prático e voluntarioso, do que escutar, ser ternurento e manso. Que é mais fácil desculpar-me com a minha falta de tempo, com o meu cansaço e stress. Por outro lado, quando digo que não a convites de serviço prático, sinto sempre que estou a ser preguiçosa e que não estou a dar a vida.

A vida, hoje em dia, parece que nos impede de saborear, de estarmos inteiros em cada coisa. E, por mais que eu lute por uma vida mais calma, sinto que andamos sempre numa correria desenfreada, a saltar de programa em programa, e isso impede-nos de estarmos inteiros. Parece que há um grito que pede para estar à janela como Maria a contemplar!

Sei que a resposta não é simplesmente não fazer nada, que não é isso que Jesus nos pede. Mas este equilíbrio entre o estar e o fazer é verdadeiramente desafiante. O perceber que tempos Deus me pede e a que sins está a pedir para me dedicar.

Gostava muito de vir dar uma resposta, mas a verdade é que não tenho. Espero um dia vir a ter. Venho apenas pedir a graça, neste tempo de Advento, de sermos mais parecidos com a simplicidade de Maria. De nos deixarmos ser contemplativos e de não termos medo disso. De não nos distrairmos com tudo o que não é essencial. De nos desafiarmos a simplesmente estar e sermos presentes. De não nos perdermos na loucura do consumismo deste tempo. De aprender a saborear. De não ter medo de dizer que não. De darmos mais tempo para estar aos pés deste Jesus que nasce pequenino para nos salvar.

Que este tempo que Lhe dedicamos seja a chave para aprendermos a discernir os tempos e os sins que Deus nos pede. E que nos ajude a viver uma vida que resulta deste equilíbrio fundamental entre o estar e o fazer.

Teresinha Castel-Branco