Animei este ano pela primeira vez e foi maravilhoso poder ver melhor que, aqui, quem quer, pega numa guitarra, num jambé ou na voz e experimenta, com a certeza de que pode tentar e falhar sem ser olhado de lado. Não é preciso saber de música para fazer música. Ou, pelo menos, é assim que se faz nos Gambozinos.

Cheguei à conclusão de que, para mim, a música une o campo de uma forma mesmo inesperada. Há tantas formas de nos deixarmos tocar pela música ao longo de um campo, que acabo sempre por me surpreender pela forma sincera como cada um encontra naturalmente a sua, e em como isso reflete a sua personalidade. Mas, no fundo, somos todos iguais. Podermos cantar algo que sentimos é libertador, sobretudo quando ao nosso lado estão mais 50 pessoas que sentem e estão a viver o mesmo que nós. Foi absolutamente magnífico quando num BDS me deixei levar pela força da música e me calei para ouvir as 46 vozes que estavam ao meu lado cantar estes versos:

“Ensina-me a ver, eu quero aprender

Sou pequeno, preciso de Ti

Dá-me a mão, canta esta canção”

Uns gritavam a letra, outros emocionavam-se, alguns sorriam uns para os outros e, os que estavam mais à vontade, cantavam de olhos fechados. Olhava à volta incrédula e com vontade, também, de cantar por ver este espetáculo de alegria e vulnerabilidade. Para mim, são estes momentos, em que a presença da música se torna um meio para sermos mais alegres e verdadeiros, que eu percebo que tudo isto só pode vir de Deus. E o melhor é que a música perdura. Acho que uma das melhores formas de guardar e lembrar um período de tempo é através da música. E durante o ano, depois de voltarmos dos campos, as músicas ficam-nos na cabeça e no coração durante semanas e semanas a fio e cantá-las é sentir o que sentimos ao longo daqueles dias. É do embalar do Boa Noite, ao fim de um dia cheio, de que sentimos saudades. Foi aquele momento contemplativo, na nossa inigualável capela, em que rezámos ao som de um dedilhado calmo, onde sentimos a Sua presença como nunca. Sonhamos voltar a estar com outros gambozinos para poder cantar mais uma vez todas as músicas que se foram cantando durante a caminhada ou no meio da roda. Queremos voltar para aqueles 10 dias em que não fomos julgados por cantar mal na missa, mas encorajados a cantar mais alto!

É realmente bom escrever e dizer que o poder da música num campo é quase inexplicável. A música está por todo o lado! Como dizia, rezamos a cantar nos tempos de oração, festejamos a cantar no meio da alegria da roda, agradecemos a cantar depois de um sketch, abençoamos as refeições a cantar, revemos e agradecemos o dia a cantar, relembramos o campismo a cantar o hino de campo, etc. Muito do património dos Gambozinos só o encontramos nestas letras que passam de geração em geração, de campo em campo e que vão deixando para trás o nome do autor, que passa a ser, simplesmente, “Gambozinos”. Não fazemos músicas para que saibam quem as fez, mas para construirmos relação, fomentarmos a liberdade, criarmos memórias e, quem sabe, mais um bocadinho de história.

Branquinha Cunha Ferreira