‘Fica connosco’ não é simplesmente um momento de iluminação precipitada de dois
discípulos, ou somente um convite ingénuo feito a um estranho, muito menos um mero
tema do ano para o verão 2024. ‘Fica connosco’ é a atitude daquele que, em comunidade,
reconhece uma presença para lá do visível. Uma presença que inflama o coração, muito
antes da perceção própria do acontecimento. ‘Fica connosco’ é o plot twist de toda a História
da Salvação, marcada pelo encontro com Cristo Ressuscitado. Se, este verão, provarmos ao
menos uma migalha deste encontro, será graça bastante para nos arriscarmos a convidar
Jesus a ficar.
Na verdade, tal como em todas as grandes epopeias, este tema é um convite a começar a
história de salvação in medias res, ou seja, a meio dos acontecimentos. Já Cristo nasceu,
padeceu, morreu e ressuscitou, e nós somos lançados para o meio desta narrativa e
impelidos para a ação. Uma ação que, simultaneamente, convida ao tempo lento de quem
saboreia uma presença. Ninguém convida uma pessoa para uma casa vazia! Por isso, é
importante habitar e cuidar essa nossa casa onde queremos receber Jesus.
Sem nos darmos conta, ocorreu uma transição da iniciativa: o mesmo Jesus que se
apresenta subtilmente ao longo do caminho, tomando a iniciativa de se aproximar de quem
caminha cabisbaixo e desesperançado, agora espera um convite. Uma espera tão paciente
quanto a explicação de que tudo tinha de acontecer como dito nos Profetas. Uma espera de
Jesus que não impõe nem se impõe. A bola passou para o nosso lado, a nós que, dessa
presença subtil e pouco ostensiva, nos inflamamos até tomar a iniciativa do convite. Sim, a
‘nós’ e não a ‘mim’! É um convite feito por uma comunidade de fé, onde há espaço para
todos. Uma comunidade que descobre criativamente a forma do convite, através de uma
iniciativa plural, num caminho de discernimento comum da vontade de Deus.
É desta renovada iniciativa acolhedora que Cristo abre espaço à revelação, convidando
à memória agradecida de tanto bem recebido. E da gratidão, partimos para a pressa do
anúncio, ou não fosse já de noite e Jerusalém não ficasse a 11 km de distância de Emaús.
De facto, esta ousadia do ‘Fica connosco’ está entre este tanto dos benefícios recebidos de
Jesus e o tanto do que desejo fazer por Ele. O arrojamento dos discípulos ao convidarem
este nobre estranho a simplesmente ficar é a ponte entre o Antigo e o Novo Testamento no
seu coração, abrindo um mundo de possibilidades.
Por isso, este verão, inspirados pelo encontro com o Ressuscitado, somos convidados ao
arrojamento do convite, lembrados que “alguns, sem o saberem, acolheram anjos” (Heb 13,
2).

 

António Ferreira da Silva, sj.