– Vês! Até os cartazes dizem que isto é para ti! Vai ser uma experiência inesquecível, uma oportunidade única na nossa vida!
– Mas já temos tantas coisas no verão… Férias de família, a clássica semana com amigos, o Paredes de Coura, o campo, e ainda queria tentar fazer Exercícios Espirituais… não dá para tudo!
Era a quinta tarde seguida em que os dois amigos discutiam este tema: ir ou não ir às Jornadas Mundiais da Juventude? Desta vez, o assunto tinha sido despertado pelo cartaz que tinham diante deles, que dizia: “a jornada mundial da juventude é para TI”.
– Mas essas coisas podes ter todos os anos. As Jornadas no teu próprio país é uma vez na vida! Ainda por cima ouvi dizer que há poucos voluntários… era uma boa maneira de participarmos.
– Oh! Uma coisa é ir e aproveitar a experiência ao máximo, outra é estar em mais um voluntariado… Já estou em tantos! E já vou fazer G1, fica demasiada coisa beata no mesmo verão. Preciso de outras experiências.
– Mas nós somos Gambozinos, temos de servir!
Sem repararem, um outro jovem parou ao seu lado e comentou:
– Não gosto nada destes cartazes, têm o mesmo problema dessa vossa clássica discussão de betos…
– Han? Estás a falar connosco? Lá por não perceberes o que são as Jornadas, não significa que tenhas de dizer que é uma coisa de betos. Isto é para todos os católicos – disse um dos amigos bastante ofendido.
O jovem recém-chegado olhou para eles com um ar meio confuso, meio a rir-se e respondeu:
– Não é nada disso, eu vou às Jornadas… O meu comentário era relativamente ao vosso pseudo dilema. Vocês estão tão focados em perceber qual a melhor solução, que estão a deixar de fora o verdadeiro objetivo disto tudo… Deixem-me contar-vos uma história:
Esta é a história de uma pequena família que tinha um pequeno restaurante numa pequeníssima aldeia, no meio do nada. O restaurante estava sempre cheio e de todo o lado vinham pessoas para almoçar e jantar ali. Era reconhecido muito além-fronteiras e ninguém ficava indiferente às iguarias que ali eram cozinhadas.
Com o passar dos anos, o tamanho da família foi aumentando e a todos era ensinada a arte de cozinhar, o que permitiu abrir novos restaurantes ali perto. No entanto, perceberam que esses restaurantes já não tinham a mesma qualidade: por um lado, uns foram-se afastando demasiado do modo original de cozinhar e, por outro, uma vez que estavam dispersos, tinha-se perdido o hábito de discutir ideias e novas técnicas, que era uma das grandes fontes do sucesso do restaurante original. Desta forma, para salvaguardar a qualidade, combinaram encontrar-se todas as semanas para, juntos, recordarem as técnicas originais e discutirem novas variações. Resultou. A qualidade voltou a aumentar e a boa fama regressou a todos os restaurantes.
Os anos foram passando e novos restaurantes foram sendo abertos por todo o mundo. Como se pode imaginar, isto tornava a reunião semanal impossível para todos os membros. Claro que, quase todos aqueles que viviam perto uns dos outros se continuavam a juntar semanalmente, mas não era suficiente: as novas ideias eram todas muito parecidas, caía-se na estagnação. Decidiram, desta forma, criar um evento que se realizaria de quatro em quatro anos: era espaçado o suficiente para que todos se conseguissem organizar e ir, mas não espaçado o suficiente para que se caísse a estagnação criativa e no esquecimento das origens.
E assim foi. Estes encontros foram crescendo cada vez mais: mais ideias, mais discussões, mais técnicas novas. Claro que também trouxe alguns problemas: um grande peso organizativo, muita centralização de responsabilidades (que criava alguns atritos), alguns membros que ficavam de fora, etc. No entanto, ainda que, em todos os encontros, muitos fossem os que criticavam, nunca deixavam de ir e os encontros eram sempre um sucesso e um tempo de grandes frutos. O segredo era simples: todos tinham a plena consciência de que estes encontros não eram para ninguém individual, mas para que os restaurantes continuassem a crescer e a chegar a mais pessoas. Ainda que houvesse uns que ficavam responsáveis por organizar, a responsabilidade era sempre partilhada por todos – principalmente a de colmatar as falhas da organização e de garantir que ninguém era deixado de fora. Eram uma família e cada um tinha algo que a podia fazer crescer.
Os eventos foram-se sucedendo e os restaurantes acabaram por chegar a todos os locais do mundo: mantendo-se sempre, não só fiéis à qualidade original, mas também ao tempo e local onde estavam estabelecidos.
Os dois amigos ouviram atentamente a história. Assim que acabou fez-se silêncio e ficaram pensativos. Sem se aperceberem, o desconhecido desapareceu, deixando os dois amigos a conversar sobre o que tinham ouvido.
Semanas mais tarde, um deles comprou bilhete para o Paredes de Coura; o outro preferiu inscreveu-se nas Jornadas como voluntário. Ambos ficaram com o verão preenchido, não sobrou um único dia disponível.
Meses mais tarde, o primeiro ainda falava do épico verão de 2023 e da melhor edição de sempre do Paredes de Coura: memórias criadas e experiências vividas que ficariam para sempre! Já o segundo não tinha nada de épico a contar sobre o seu verão: devido à escassez de voluntários teve de trabalhar ainda mais do que o previsto nas Jornadas e acabou por não participar em quase nada. Devido ao cansaço, passou os dois primeiros dias das férias de família a dormir, não aproveitando as belas paisagens da ilha de São Miguel.
Anos mais tarde, aquele que tinha ido às Jornadas, voltou-se a inscrever. E fez o mesmo quatro anos mais tarde. Nunca procurou grandes experiências, apenas dar o seu pequeno contributo e responder àquele pedido uma vez feito pelo Papa e que sempre lhe guiou a vida:
Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e temerosos. Correi «atraídos por esse Rosto tão amado, que adoramos na Sagrada Eucaristia e que reconhecemos na carne do irmão sofredor. Que o Espírito Santo vos empurre nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso entusiasmo, das vossas intuições, da vossa fé. Fazeis-nos falta! E quando chegardes onde nós ainda não chegámos, tende paciência para esperar por nós».
Cristo Vive, 299
E quando deixou de ter idade para ir, depois de ter dado o seu contributo, esperou.
Afonso Santos