Visitar: As Capelas Imaculada e Cheia de Graça do Seminário Menor de Braga

As Capelas Imaculada e Cheia de Graça, do seminário Menor de Braga, venceram, na categoria de “arquitetura religiosa”, o prémio ArchDaily 2019. A sugestão cultural da Brotéria desta semana é uma visita a estes lugares sagrados.

As Capelas Imaculada e Cheia de Graça, do seminário Menor de Braga, venceram, na categoria de “arquitetura religiosa”, o prémio ArchDaily 2019. A sugestão cultural da Brotéria desta semana é uma visita a estes lugares sagrados.

Neste mês de Março as Capelas Imaculada e Cheia de Graça, do seminário Menor de Braga, venceram, na categoria de “arquitetura religiosa”, o prémio ArchDaily 2019 – página internet mais visitada no domínio da arquitetura. Ao contrário de outros prémios com júris prestigiados, este funciona por votação aberta, com cerca de 80.000 votantes em todas as categorias, habitação, equipamentos culturais, desportivos, etc… A fragilidade deste tipo de concurso é que os votantes vejam apenas imagens, fotografias e desenhos, com mais ou menos profundidade e competência, sem a experiência real do lugar e da sua função. Trata-se, no entanto, de um tema de grande importância na vida cristã, consideramo-lo aqui, depois de ter conhecido in loco estas capelas, com o intuito de as valorizar criticamente na sua qualidade arquitetónica e litúrgica e no seu significado para a vida da igreja.

O projeto das capelas é do gabinete Cerejeira Fontes Arquitetos, onde os irmãos António Jorge e André Fontes trabalham em estreita colaboração como escultor norueguês Asbjörn Andersen, os mesmos que já em 2011 tinha ganho este prémio com a Capela Árvore da Vida, do Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, também em Braga.

Assim, no panorama bastante vivo da arquitetura religiosa em Portugal – encontravam-se seis capelas e igrejas portuguesa entre as 60 finalistas do concurso[1] – reconhece-se também à equipa do seminário de Braga um trabalho sério e fecundo num contexto de menor vitalidade reflexiva sobre o espaço litúrgico. É realmente patente a vontade de “aprofundar a coerência entre aquilo que se ensina e a expressão litúrgica praticada” – manifestada pelo Padre Joaquim Félix, vice-reitor do Seminário Conciliar de Braga.

As capelas premiadas são duas num mesmo edifício: a de maior tamanho resulta da requalificação da capela existente do Seminário destinada a celebrações em dias festivos; a menor é uma capela doméstica para a celebração da liturgia diária do grupo em formação, residente no Seminário. Esta segunda é, portanto, um espaço dentro do espaço da primeira e, como um coro alto, acessível por um andar superior do seminário.

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Foto: © Nelson Garrido

Que há então de valor nestas capelas que as faz extraordinárias, na acessão mais positiva do termo? Um primeiro aspeto é a sua “atmosfera”, termo usado em teoria da arquitetura para designar os aspetos sinestéticos e fenomenológicos da experiência do espaço, enquanto este se oferece à perceção e à experiência, na fronteira entre o campo sensorial e a sua ressonância no sujeito espiritual. Ora, nestas capelas é extraordinário o caracter elementar e essencial dos espaços, dos materiais e da luz, afastando-se do falso, supérfluo ou de expressão clerical afetada; na sua complexidade antes se procura o que é verdadeiro e simples, no sentido daquilo que diversos documentos da Igreja designam por “nobre simplicidade”, tão difícil de explicitar de outro modo e de alcançar construindo. A atmosfera da capela Imaculada, a de maior dimensão, é marcada por uma abóbada em betão (12cm de espessura), quase suspensa, exibindo a sua materialidade e desafiando ao mesmo tempo os seus limites, filtrando a luz, escondendo-a e retribuindo-a com maior interioridade, elevando assim à máxima dignidade um material de uso antigo e tão atual, só inadvertidamente tido por tosco. Num extremo desta nave, à entrada, eleva-se uma estrutura de madeira igualmente elementar na sua forma e matéria, que filtra o acesso ao espaço da celebração criando um espaço de transição ao modo de quem atravessa uma floresta em busca da clareira, estrutura arbórea que sustenta ao nível das copas a capela doméstica. Sobre o eixo da nave, no extremo oposto à entrada, uma fresta de mármore branco é trespassada pela luz natural, irradiando uma beleza que figura como polo de Glória do espaço litúrgico e lhe confere uma orientação escatológica. A capela Cheia de Graça, de menor dimensão, suspensa, aproveitando a altura da abóbada e possível graças à coesão de peças frágeis, aparece ela também como uma clareira para a celebração da fé em espírito e verdade, numa circunscrição permeável que reúne em torno ao altar e uma luz dourada que abraça os circunstantes. Uma tal atmosfera, silenciosa e contida, em nada distrativa, redundante ou carregada, prepara o acolhimento dos símbolos propriamente litúrgicos, dá-lhes conotações poéticas e amplia a sua ressonância espiritual.

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Foto: © Nelson Garrido

Há também nestas capelas uma reflexão sobre o espaço da celebração litúrgica cristã. A Igreja alemã, no balanço do movimento litúrgico, pela sua capacidade teológica e a necessidade de reconstruir as igrejas depois da Guerra, levou a reflexão sobre o espaço litúrgico a um nível muito elevado; em Portugal, passado o primeiro entusiasmo do Concilio, esmorecidos os esforços do MRAR, movimento de renovação da arte religiosa, exceção feita ao Secretariado das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa agora desaparecido, tenta recuperar-se o atraso neste campo teórico-prático específico da adaptação do espaço das igrejas à eclesiologia renovada do Concílio Vaticano II, dita do Povo de Deus e de Comunhão. Parece-nos, no entanto, que estas capelas respondem à aspiração de renovação espiritual da liturgia e, na linha de uma conceção viva da tradição cristã, sustentam a sua atualidade enquanto um acontecer permanente da economia da Graça. Não podemos entrar aqui numa apreciação crítica mais desenvolvida do espaço litúrgico destas capelas, seguros de que contribuindo ambas de modo positivo para a reflexão sobre a arquitetura religiosa e cristã, nos parece a Imaculada mais vulnerável que a outra e a Cheia de Graça mais conseguida que a primeira. Resta dizer que num contexto por vezes adverso a uma reflexão liturgicamente erudita e culturalmente corajosa, estas capelas revelam o seu valor, muito para além do prémio de arquitetura, para a formação dos novos padres e para vida da Igreja em Portugal.

[1] Entre elas a muitíssimo adequada e singela Capela do Centro Nacional de Atividades Escutistas em Idanha-a-Nova, o novo Presbitério do Recinto do Santuário de Fátima e a Capela da Casa da  Porta estreita, em Barcelos.

Foto de capa: © Nelson Garrido


Informações úteis

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Foto: © Nelson Garrido

Morada:  Rua de S. Domingos, 94 – 4710-435 S. Vítor – Braga (Mapa Google)
Entrada Livre
Horário:
2ª a 6ª feira: 9h00 – 12h45 I 13h45 – 18h00
sábado e domingo: marcação prévia.
Informações: 253 202 820
Marcação de visita de grupos/visitas guiadas: [email protected] I [email protected]

Nota: Apenas a Capela da Imaculada está aberta ao público. A Capela da Cheia de Graça  integra a zona reservada do Seminário Menor de Braga.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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