Em dezembro de 2019 estreou a última temporada da série “Vikings”, baseada na saga de Ragnar Lothbrok e outros feitos da “Era Viking” (séc. IX-XI). Esta série desfaz o que há de caricatural na tradicional imagem do “viking” – bárbaros, saqueadores, pagãos – sem negar-lhe a veracidade, acrescentando-lhe complexidade, como a faceta de comerciantes e exploradores.
Motivado pelo desejo de encontrar terra para cultivar, Ragnar (Travis Fimmel) lança-se em campanhas guerreiras nas Ilhas Britânicas, não perdendo de vista o seu desejo último, mas encontrando-se constantemente refém das circunstâncias. É fácil reconhecer em Ragnar o carisma e a húbris normalmente associados a um líder, que lhe permitem, com a mesma naturalidade, conquistar amizades e amealhar ódios. A ascensão ao poder deste agricultor convertido em guerreiro é o grande centro da saga, e a própria série ressente-se do seu paulatino eclipse nas últimas temporadas, em que o centro devém a história dos seus filhos (facilmente dispensável, malgrado o sentimento de fidelidade que uma série como esta desperta).
Ao contrário da grande maioria da produção contemporânea, “Vikings” tem a audácia de representar a religião como algo real, que molda vidas e a sociedade.
Michael Hirst assume um artifício interessante para melhor espelhar as tensões, dúvidas e apreensões de quem habitou aqueles tempos: binómios relacionais com centro em Ragnar em que, sem aplainar as outras personagens, podemos entrar na complexidade do campo das decisões humanas. Tal é particularmente notório na sua relação com Lagertha (Katheryn Winnick), sua esposa, em que se expõe o laço de amor aos ideias primeiros; ou com o seu irmão Rollo (Clive Standen), uma relação-paradigma da tensão entre astúcia e força; ou com Floki (Gustaf Skarsgard), seu amigo de sempre, em que o amor à tradição se desdobra entre o conforto da clarividência e o risco de cegueira. Podemos encontrar binómios fora do mundo viking, ilustrativos do confronto de culturas e crenças, na sua relação com o monge Athelstan (George Blagden) ou com o Rei Ecbert (Linus Roache).
Principalmente nas primeiras temporadas é bastante clara a falta de meios financeiros. Este facto é compensado pelo carisma dos atores e pelo eficaz trabalho cinematográfico, seja no captar da imponência dos fiordes, seja nas composições dos halls “vikings” e ritos religiosos, que nos dão a sensação de testemunhar em primeira mão o ambiente original. Para este efeito, muito contribui o trabalho do compositor Trevor Morris, principalmente quando assente em percussão, sopros e vocalizações.
Uma última nota quanto à dimensão religiosa da série. Ao contrário da grande maioria da produção contemporânea, “Vikings” tem a audácia de representar a religião como algo real, que molda vidas e a sociedade. A força telúrica da fé Viking é apresentada num prisma mais favorável que a fé cristã, sem dúvida; todavia, a religião não surge como um outro elemento cultural, mas sim como algo central e definidor de identidades. Tal honestidade no retratar do medievo é particularmente bem-vindo e pode questionar a forma como os crentes vivem e dão testemunho da sua fé no espaço público.
Género: Drama-Histórico, Ação, Aventura
Duração: 45m
Criador Michael Hirst
País: Canadá; Irlanda
Canal: História
Transmissão original: 3 de março de 2013
Nº de temporadas: 6 Nº de episódios: 78
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
Conheça melhor a Brotéria