Talvez esta não seja a proposta mais óbvia para estes dias de verão. Comecei por pensar em Conto de Verão, de Eric Rohmer, onde acompanhamos os jogos juvenis de sedução de um rapaz indeciso entre três miúdas mas prefere responder a outros desejos (e não desvelemos mais que a conta), para me fixar no filme da minha vida, a história de Weronika e Véronique, que vivem em Cracóvia e Paris e que um acaso une num instante fotográfico numa praça da cidade polaca.
Às duas mulheres de países diferentes une-as o gosto pela música, as duas têm uma voz sublime, o corpo igual (sem grandes truques, é a atriz francesa Irène Jacob que encarna os dois papéis) e um problema cardíaco: La Double Vie de Véronique é então um Krzysztof Kieslowski que não se explica como não se explica a Graça — e esta é uma obra de graça em estado de graça.
Havia no realizador polaco Kieslowski (morreu em 1996, aos 54 anos) uma inquietude na reflexão sobre os conflitos morais que afligem estes tempos, como já o tinha mostrado ao abordar os Dez Mandamentos em Decálogo, uma série para a TV polaca. A história da dupla vida de Verónica (já repararam no nome?) antecipou por sua vez a trilogia das “três cores” (Azul, Branco, Vermelho). E por este breve retrato da sua filmografia percebemos o lugar central deste realizador na história do cinema.
Vão por mim e deixem-se encantar pela bola de vidro com que Verónica olha o mundo — e a vida.
La Double Vie de Véronique/A Dupla Vida de Véronique, de Krzysztof Kieslowski, com Irène Jacob, 1990.
Disponível na FNAC
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.