A fila para rezar junto ao túmulo do Padre Cruz, no cemitério de Benfica, em Lisboa, vai ficando cada vez maior. Passam poucos minutos das nove da manhã na terça-feira em que se assinalam os 71 anos da morte do sacerdote jesuíta, a 1 de outubro. Há dezenas de pessoas à espera para entrarem no jazigo: uns mais novos, outros mais velhos, de diferentes origens e classes sociais. Com terços e pagelas na mão, falam do Padre Cruz com devoção. Uns referem as graças que receberam por sua intercessão. Outros, já mais idosos, recordam devoções antigas. Há até quem se emocione ao evocar o momento em que viu o Padre Cruz, já velhinho, numa celebração em Fátima.
Pouco depois, durante a missa na capela, a igreja permanece cheia – em algumas épocas do ano chegam àquele local excursões das mais variadas zonas do país (o jazigo abre três vezes por ano, na celebração do nascimento e da morte do Padre Cruz e do dia de finados). A fama de santidade do clérigo jesuíta também chega às redes sociais. Quando foi anunciada a celebração dos 71 anos da sua morte, repetiram-se as mensagens de agradecimento e as afirmações acerca das suas qualidades na página de Facebook dos Jesuítas em Portugal: “O Padre Cruz é um santo. Muitos milagres tem feito”, “Foi por oração a ele que me salvei do tifo em 1956”, e ainda “Sempre fui atendida e não é por acaso que escolhi o mesmo nome para o meu filho”.
Agora, a canonização deste sacerdote pode estar mais próxima, desde que, no passado dia 1 de outubro, a Comissão Histórica do processo apresentou a relação dos seus trabalhos ao Tribunal Eclesiástico da Causa, no Patriarcado de Lisboa. “O padre Cruz tem devoção pelo país inteiro. Não há diocese onde não seja conhecido. Tirando os videntes de Fátima, é um caso único“, considera o Padre António Júlio Trigueiros, membro da Comissão Histórica.
Agora, a canonização deste sacerdote pode estar mais próxima, desde que, no passado dia 1 de outubro, a Comissão Histórica do processo apresentou a relação dos seus trabalhos ao Tribunal Eclesiástico da Causa, no Patriarcado de Lisboa. “O padre Cruz tem devoção pelo país inteiro. Não há diocese onde não seja conhecido. Tirando os videntes de Fátima, é um caso único“, considera o Padre António Júlio Trigueiros, membro da Comissão Histórica que elaborou o documento sobre a sua vida, personalidade e espiritualidade, e que dá início a uma nova fase do processo. “Tendo em conta a fama de santidade do Padre Cruz, a canonização poderá ser mais rápida do que o normal”, acrescenta, confiante.
Nascido a 29 de Julho de 1859, em Alcochete, Francisco Rodrigues da Cruz foi o quarto filho de Manuel da Cruz e de Catarina de Oliveira Cruz. Por ter uma saúde muito debilitada – esteve muito doente nas primeiras semanas de vida – foi batizado em casa com caráter de urgência. Teve uma educação cristã. Os pais seguiam fielmente as recomendações da Igreja. Sabe-se, por exemplo, que à Sexta-feira Santa a família só comia pão e figos.
Com apenas nove anos, veio para Lisboa, com o irmão Manuel, onde frequentou o Colégio Europeu, o Instituto Maiense e o Instituto Industrial. Sempre quis ser padre e por isso rumou a Coimbra para estudar na Faculdade de Teologia. “Aos 21 anos houve uma mudança radical na vida dele”, conta o padre António Júlio Trigueiros, referindo que um ano antes entrara numa Congregação Mariana (as actuais Comunidades de Vida Cristã – CVX- da Companhia de Jesus). “No Natal de 1879 fez uma confissão geral. Até então, confessava-se apenas uma vez por ano e depois disso passou a fazê-lo todas as semanas. Sabe-se que em algumas alturas se confessava mais do que uma vez por dia.”
Desde cedo dedicou especial atenção aos pobres. Quando esteve no Colégio dos Órfãos, em Braga, na década de 1880, ficou conhecido pela atenção que dava às 150 crianças abandonadas que ali viviam. “É um verdadeiro santo, um modelo de humildade, obediência e piedade. Em Braga costumam chamar-lhe o‘Padre Santo’”, escreveu na altura o Padre Cogliolo, que substituiu o Padre Cruz à frente da instituição.
Concluídos os estudos, foi para Santarém onde deu aulas de filosofia no seminário diocesano. Em março de 1882, foi ordenado diácono e a 3 de junho do mesmo ano sacerdote. “Tinha uma saúde tão débil que havia o receio de que não aguentasse a celebração até ao fim”, conta o historiador jesuíta. Os médicos tinham-lhe diagnosticado uma necrose encefálica, uma doença grave que o fragilizava muito, mas ao contrário do que muitos temiam, resistiu.
Desde cedo dedicou especial atenção aos pobres. Quando esteve no Colégio dos Órfãos, em Braga, na década de 1880, ficou conhecido pela atenção que dava às 150 crianças abandonadas que ali viviam. “É um verdadeiro santo, um modelo de humildade, obediência e piedade. Em Braga costumam chamar-lhe o‘Padre Santo’”, escreveu na altura o Padre Cogliolo, que substituiu o Padre Cruz à frente da instituição.
Até os presos o defendiam
Ainda na década de 1890, mudou-se para a diocese de Lisboa, primeiro para o Seminário de Farrobo, em Vila Franca de Xira, e depois para São Vicente de Fora, no centro da capital. Acompanhava os seminaristas enquanto diretor espiritual, mas não descurava as visitas aos pobres, aos homens presos na Cadeia do Limoeiro e às mulheres detidas nas Mónicas. Mais tarde, aquando da Implantação da República em 1910, altura em que o clero foi perseguido, houve muitos presos que o defenderam. “É o Padre Cruz. Não lhe façam mal”, diziam sempre que alguém procurava ofendê-lo. Ainda assim, esteve preso duas vezes neste período, mas recebeu de Afonso Costa, figura proeminente do novo regime, o salvo-conduto para evitar repetições, conta António Júlio Trigueiros.
Devoto de Nossa Senhora, acabaria por se tornar o primeiro confessor da irmã Lúcia. “O Padre [de Fátima] não queria que ela fizesse a primeira-comunhão porque era muito nova, mas o Padre Cruz aceitou confessá-la [para que pudesse comungar]”, conta o Padre Dário Pedroso, vice-postulador da causa de canonização, acrescentando que, desde essa altura, a vidente passou a recorrer aos seus conselhos com frequência. “A Jacinta ter-lhe-á dito que era muito ‘velhico’.”
São muitos os relatos que atestam a entrega e o espírito missionário do Padre Cruz. Numa viagem, ouviu falar de um homem que estava gravemente doente e que não se confessava há 50 anos. Todos os sacerdotes que tentaram aproximar-se dele acabaram por ser expulsos, mas o Padre Cruz não hesitou e decidiu visitá-lo. Com a ternura e o fervor missionário que o caracterizava, conseguiu convencê-lo a deixá-lo entrar e o homem acabou por lhe pedir o sacramento da reconciliação. Noutra ocasião, numa ida ao médico, e sabendo que este não tinha por hábito confessar-se, disse-lhe: “Não sei como pagar-lhe, mas posso ouvi-lo em confissão”.
Como sublinha Dário Pedroso, o Padre Cruz teve “uma vida de comunhão com Deus, baseada na oração e numa grande devoção à Eucaristia”. Passava longas horas diante do Santíssimo. “Era um padre profundamente orante”, afirma o jesuíta. Uma vez, depois de uma pregação em Torres Novas, pediu boleia ao Cardeal-Patriarca de Lisboa. “Perguntou-lhe se podia rezar o terço na viagem. Ele deu-lhe autorização e o Padre Cruz foi rezando. Quando chegou a Lisboa, faltava apenas um mistério para completar o nono terço”, conta Dário Pedroso. Comprometido com a evangelização, viajava por todo o país para levar a palavra de Deus onde podia. “Era capaz de pôr o comboio inteiro em oração. Começava com dois ou três e a dada altura estava toda a gente a rezar.”
Ficou conhecido também por fazer milagres durante a vida. Dário Pedroso recorda uma dessas histórias: “Certa vez, estava a distribuir pão aos pobres com uma irmã que, perante a quantidade de pessoas que ali se encontravam, lhe disse que não havia comida para todos. Ele respondeu-lhe: ‘Não se preocupe. Vai chegar’. E no fim, sobrou”
Ficou conhecido também por fazer milagres durante a vida. Dário Pedroso recorda uma dessas histórias: “Certa vez, estava a distribuir pão aos pobres com uma irmã que, perante a quantidade de pessoas que ali se encontravam, lhe disse que não havia comida para todos. Ele respondeu-lhe: ‘Não se preocupe. Vai chegar’. E no fim, sobrou”. Parecia a multiplicação dos pães, acrescenta o vice-postulador. Generoso, o Padre Cruz costumava doar tudo o que recebia. “Um dia, junto à Igreja de São Domingos, em Lisboa, uma mulher com posses deu-lhe um envelope com dinheiro. Poucos minutos depois, apareceu uma senhora a pedir-lhe ajuda e ele entregou-lhe tudo. A outra viu e foi falar com ele: ‘Sabe, quando dinheiro estava ali?’. E o Padre Cruz respondeu: ‘Ela coitadinha precisava, eu não’.”
Apesar de ter sentido o primeiro chamamento para entrar na Companhia de Jesus, ainda antes de ter sido ordenado sacerdote, fez os votos já no fim da vida. Depois de obter uma autorização do Papa Pio XIII, que o dispensou de fazer o noviciado, tornou-se jesuíta a 3 de dezembro de 1940. Nessa altura, o Padre Geral da ordem permitiu que continuasse a viver com a família Caldas Machado, em Lisboa, onde estava desde 1927 e onde acabaria por ficar até ao fim da vida. Tudo para que prosseguisse o trabalho junto dos mais desfavorecidos.
Quando morreu, a 1 de outubro de 1948, aos 89 anos, a santidade era-lhe reconhecida também pela imprensa. Na edição de 2 de outubro, o Diário de Notícias referia-se a ele como “o homem que fez da sua vida uma dádiva constante aos que precisavam de auxílio e amparo”, “um santo” que acabara de partir.
Fotografias: Companhia de Jesus
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.