É hoje aparente que o plano A da ofensiva da Rússia na Ucrânia, a decapitação do regime e a instalação de um regime fantoche pró-russo, foi impedido pela resistência ucraniana à invasão russa e a tática dos EUA e Reino Unido de identificar preventivamente as intenções do Kremlin. Ao fazê-lo, os EUA destruíram qualquer verniz de legitimidade dos pretextos falsos da Rússia, deixando Moscovo isolado politicamente. É, pois, difícil ver a possibilidade da emergência de uma figura ucraniana que tenha legitimidade para se substituir a Zelenski. Gorado o plano A, o exército russo começou a desenrolar sob os nossos olhos um plano B, que, apesar de ainda nebuloso, implica o uso da força bruta contra a população ucraniana e, com probabilidade, se poderá tornar numa guerra de atrito entre o Ocidente e a Rússia.
Em poucos dias, entre a resistência ucraniana, a condenação e sanções internacionais e o isolamento generalizado a que se vê votado, Putin viu o seu espaço político diminuir brutalmente. Emergem assim três cenários de como a guerra na Ucrânia e o seu impacto se pode desenrolar.
O primeiro cenário seria iniciado com a queda de Kiev e o abandono lento da resistência ucraniana, que cristalizará uma guerra fria entre Ocidente e Rússia. A elite ucraniana será exilada (na melhor das hipóteses). A Ucrânia será a nova Berlim, o principal ponto de atrito. Neste cenário, a Rússia poderá decidir negociar a partição da Ucrânia.
Em poucos dias, entre a resistência ucraniana, a condenação e sanções internacionais e o isolamento generalizado a que se vê votado, Putin viu o seu espaço político diminuir brutalmente.
O segundo cenário implica a transformação do conflito numa guerra de guerrilha ucraniana. A instabilidade deste cenário levaria provavelmente à perda maciça de vidas e a uma longa crise diplomática, onde a capacidade dos Ocidentais atuarem irá diminuir progressivamente. Putin ainda está a tentar não perder completamente a população ucraniana. Contudo, num cenário prolongado, esta guerra será tão brutal como foi a que resultou da atuação do exército russo na Chechénia e na Síria. As imagens de Grozny depois das várias campanhas russas devem manter-se nas nossas memórias como aviso ao destino de Kiev.
O terceiro cenário implicaria que Putin, por medo dos cenários acima referidos ou refletindo algum impasse, concordasse em encetar negociações com a Ucrânia. É evidente que tais negociações seriam extraordinariamente complexas. As negociações que se iniciaram na Bielorrússia esta segunda-feira não são um sinal de que este cenário é plausível. Indicações deste cenário dependem de quão as negociações planeadas afetem a ofensiva militar russa.
Apesar de estarmos ainda nos primeiros dias da ofensiva militar russa, já ressoam como verdade as palavras o Ministro da Defesa ucraniano Oleksii Reznikov na manhã de domingo: “Estes três dias mudaram para sempre o nosso país e o mundo”. Estes três cenários não se excluem entre si, mas servem como indicação do curso dos acontecimentos.
Fotografia de: Photo by Антон Дмитриев – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.