The Last Kingdom: destino e liberdade em tensão

Na série que a Brotéria sugere esta semana o “destino” é melhor entendido como convicção de que a errância presente é rumo e não deriva, ainda que vulnerável aos eventos que se sucedem.

Na série que a Brotéria sugere esta semana o “destino” é melhor entendido como convicção de que a errância presente é rumo e não deriva, ainda que vulnerável aos eventos que se sucedem.

The Last Kingdom é uma série histórica que nos apresenta a Inglaterra do séc. IX, então dividida em sete reinos e assolada por invasões vikings, em que a unidade sob uma só coroa vai sendo construída. O protagonista é Uthred of Bebbanburg (Alexander Dreymon), que pretende recuperar as terras das quais foi privado. Filho de um nobre local, raptado enquanto criança, vive numa tensão permanente entre o meio saxão em que nasce e a cultura viking em que é educado. Guerreiro temido e respeitado, intempestivo, constantemente em busca de glória e autoafirmação, Uthred é habitado por um sentido de retitude que inspira lealdade nos seus mais próximos, mas que semeia desconfiança em quase todos os outros: a sua disponibilidade para sacrificar títulos e riquezas em nome do que considera justo faz dele alguém incontrolável e, consequentemente, imprevisível.

Sob o emblemático refrão “destiny is all”, frase com que termina cada episódio da série, encontramos a crença de que se sente destinado a voltar a ser senhor de Bebbanburg. Poderíamos pensar que este lema é uma defesa da ideia de que a nossa ação é irrelevante e que tudo se encontra já decidido pelos deuses ou por Deus, mas tal é desmentido pelo desenrolar da ação, em que “destino” é melhor entendido como convicção de que a errância presente é rumo e não deriva, ainda que vulnerável aos eventos que se sucedem.

É interessante ver a representação da dimensão religiosa, que sendo omnipresente, é marcada por um grande pragmatismo.

A tensão entre destino e liberdade é difícil de gerir: uma vida feita da absolutização da liberdade resumir-se-ia a uma deriva arbitrária; a crença num destino já dado é mera resignação ao fluir do real. Habitar em consciência o lugar onde destino e liberdade se confrontam, este lugar de assunção livre de um rumo, é uma virtude em que há que crescer. Em terminologia católica, seria o equivalente à confiança na providência, que não é a certeza de que tudo correrá bem porque Deus o assegura, mas sim de que há sentido no caminho que fazemos entre vales e abismos.

É interessante ver a representação da dimensão religiosa, que sendo omnipresente, é marcada por um grande pragmatismo. Há, contudo, duas figuras-modelo que se destacam: Brida (Emily Cox), que embora saxã de origem adotou sem reserva os costumes vikings, encarnando a galhardia e força telúrica dos nórdicos; o monge Beocca (Ian Hart), a consciência moral da série, alguém com uma confiança inabalável em Uthred.

The Last Kingdom compensa alguma pobreza na escrita pela sua verosimilhança e capacidade em manter a história viva e interessante. Plena de consciência do impacto de decisões individuais na tessitura do mundo, penso que é possível escutar o eco de Walt Whitman ao longo das suas temporadas: “a poderosa peça continua e tu podes contribuir com um verso” – este é o horizonte de sentido que esta série trabalha.

THE LAST KINGDOM Género AÇÃO / Duração 58–59 MIN /
País REINO UNIDO / Idioma original INGLÊS
Produtores CHRISSY SKINNS Distribuição BBC e NETFLIX I Data de estreia 10.10.2015
Nº de temporadas 4 / Nº episódios: 36

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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