Na indiferença generalizada de tantos, perante um país em que todos vamos perdendo, exercer o direito de voto não é algo que se possa desperdiçar ou adiar. É precisamente quando tudo nos parece estar mal que precisamos de reencontrar valores e objetivos.
Numa conversa entre amigas, concluíamos que os nossos filhos, vivendo em Portugal, dificilmente irão ter vidas iguais às nossas, em termos de oportunidades e capacidades económicas. Muitos ainda usufruem de ajudas familiares, seja para pagar estudos, fazer uma pós-graduação, ter sinal para comprar uma casa ou até mesmo para pagar uma renda. Muitos contam com a ajuda dos avós para pagar os colégios dos filhos, as atividades extracurriculares ou as fardas, quando estas fazem parte do pacote escolar. Muitos vivem das reformas de idosos com quem partilham teto e comida. E a lista poderia continuar, extensa, porque extensos são os meses e escassos são os empregos cujos ordenados permitem uma vida desafogada, como se dizia antigamente.
Naturalmente que são muitas as exceções a esta descrição do nosso tempo, muito centrada na vida das grandes cidades do nosso pequeno país. Sempre existiu e continuará a existir a possibilidade de subir na estratificação da sociedade. Porque as capacidades intelectuais não são as mesmas para todos e não escolhem berço. Porque há golpes de sorte, espertezas mais ou menos saloias. Porque há modas inesperadas que financiam talentos fugazes.
Mas para a larga maioria da população de um país envelhecido, que se permitiu largar o cultivo da terra e abdicar do trabalho fabril, ou dito de outra forma, um país que vive da exploração do sector terciário, entregando o seu destino à faturação do turismo e dos serviços, a larga maioria da população sabe e sente que vai perdendo poder de compra e qualidade de vida, a cada dia que passa.
Mas para a larga maioria da população de um país envelhecido, que se permitiu largar o cultivo da terra e abdicar do trabalho fabril, ou dito de outra forma, um país que vive da exploração do sector terciário, entregando o seu destino à faturação do turismo e dos serviços, a larga maioria da população sabe e sente que vai perdendo poder de compra e qualidade de vida, a cada dia que passa.
A larga maioria da população significa maiorias de governação permitindo, teoricamente, um exercício do poder mais eficaz na concretização das promessas eleitorais. Por isso se perdem e ganham tantos dias a viajar pelo interior do país, a beijar idosas em lares desconhecidos, a distribuir panfletos e lembranças no centro de vilas e cidades. Por isso se percorrem corredores de mercados de fruta e peixe, se visitam as fábricas que restam, as indústrias que nos trazem a sensação de que ainda estamos na crista da onda da velha e distinta senhora Europa. Por isso temos dezenas e dezenas de jornalistas, de comentadores, de repórteres a cobrir cada campanha eleitoral como se fossem únicas e extraordinárias, apesar de tantas vezes banais e vulgares.
Como e onde reencontrar valores que nos façam prestar atenção aos políticos, nos levem a confiar nas suas promessas – é fácil prometer quando se sabe que a teoria é sempre bonita, arrebatadora, palavrosa; o difícil é cumprir, fazer acontecer, envergonhar-se quando se falha, falar verdade quando se perde – nos obriguem a sair de casa, a levantarmo-nos do sofá (como dizia o Papa Francisco aos jovens) e a votar, conscientes do bem que nos é dado, na liberdade implícita no simples ato de poder escolher?
Como conseguiremos denunciar, de forma determinada, as frases feitas, o populismo estudado e executado, a corrupção das palavras tão negativa como todas as outras?
Em tempo de eleições, precisamos de ouvir, de ler, de conversar. De questionar, de fazer memória, de participar. Para quem tem fé, precisamos de rezar. Por todos os homens e mulheres que exercem o poder político com verdade e com sentido de serviço. Por todos os homens e mulheres que defendem valores e são fiéis aos seus ideais. Mas também precisamos de rezar por tantos outros, que se revelam incapazes, mentirosos, vigaristas. É sempre consoladora a expressão do velho Padre Américo ao falar da sua Obra da Rua «não há rapazes maus». Acreditemos nas circunstâncias, que tantas vezes determinam opções de vida.
Mas vamos ser firmes no tempo que se aproxima. Votar de forma esclarecida, livre e refletida. Talvez corra mal. Talvez corra bem. Mas acima de tudo que seja o resultado da escolha da maioria dos portugueses. Ganhar eleições com uma maioria de abstenções é pior do que ganhar um campeonato de futebol a penáltis…diz quem não percebe nada de futebol.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.