Parecia que o mundo se estava a desmoronar. De um dia para o outro, entre 5 e 6 de agosto de 2014, cerca de 120 mil cristãos tiveram de abandonar as suas casas, tudo o que possuíam perante a invasão iminente dos homens de negro, armados até aos dentes, carregados de ódio e de violência. Ninguém defendeu os cristãos, ninguém defendeu estas famílias, as suas mulheres e crianças, os mais velhos. Ninguém. Ficaram completamente à mercê dos terroristas. O exército do Iraque desertou, as forças curdas que estavam na zona também desertaram e os cristãos tiveram de partir. Fugiram com a roupa que traziam vestida.
Tentativa de genocídio
De um momento para o outro, estas famílias perderam tudo o que tinham. Ficaram de mãos vazias. Foi a maior provação por que passaram. Os cristãos eram um dos alvos dos terroristas. Um alvo concreto. O objetivo – e isso já foi reconhecido até pelas Nações Unidas – era mesmo erradicar a presença cristã. Houve uma tentativa de genocídio. Durante o tempo em que a região da Planície de Nínive esteve ocupada pelos jihadistas, tudo o que era símbolo cristão foi atacado. O objetivo era destruir. Apagar. casas, escolas, igrejas, centros paroquiais, imagens religiosas. Tudo. Houve igrejas que os terroristas transformaram até em campos de tiro ou em armazéns para as bombas com que semearem a tragédia e a morte.
Campanhas de solidariedade
Agosto de 2014 é, por tudo isso, uma data que os cristãos iraquianos dificilmente conseguirão esquecer. Mas foi também nessa altura que se ergueu uma das mais notáveis manifestações de solidariedade da Igreja nos tempos modernos. Era preciso alimentar e vestir, dar abrigo e curar as feridas tantas vezes invisíveis desta multidão de deserdados. E isso aconteceu. De um momento para o outro, apareceu comida e roupa, medicamentos. E depois, foram aparecendo casas pré-fabricadas e escolas improvisadas. Ninguém ficou de fora, ninguém ficou para trás. A Fundação AIS que nasceu com o propósito de ajudar a secar as lágrimas de Deus na terra junto dos cristãos perseguidos foi posta à prova e desde a primeira hora esteve junto destes deslocados, destas famílias cristãs. Houve campanhas um pouco por todo o mundo. Era preciso fazer alguma coisa, era preciso sacudir consciências, mobilizar, dar esperança. E isso aconteceu. Portugal foi, nesses primeiros dias de agosto e depois nos meses seguintes, nos anos seguintes, um dos países em que mais se procurou convocar a comunidade em favor dos cristãos iraquianos. Houve conferências, campanhas, peditórios. Era preciso agir. O cardeal Louis Sako e o Arcebispo Bashar Warda são testemunhas da generosidade dos portugueses.
Estancar a hemorragia
Por tudo isto, vai ser muito importante esta viagem do Papa ao Iraque. É, acima de tudo, um sinal de solidariedade para com uma comunidade que sofreu imenso, que ainda sofre, que se viu obrigada a fugir. Esta viagem do Papa é um sinal de conforto também. O Papa nunca esqueceu os cristãos iraquianos e tem incentivado todo o esforço que tem sido feito na ajuda à reconstrução das casas, das igrejas e das infraestruturas das aldeias e vilas que foram arrasadas pelos jihadistas. Este é um trabalho fundamental. Em 2003 havia cerca de 1.4 milhões de cristãos no Iraque. Hoje, calcula-se, serão talvez 250 mil. Apenas. Esta é uma hemorragia sem fim. É preciso ajudar estas famílias a permanecer. Caso contrário, os terroristas vão conseguir o seu propósito e estas terras bíblicas ficarão esvaziadas do povo cristão. E desta vez nem será preciso disparar um único tiro…
Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, organização pontifícia, tem estado no terreno a apoiar as populações.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.