“Sinto-me um devedor e muito agradecido a Deus”

No Dia do Consagrado, que hoje se assinala, publicamos uma entrevista ao Irmão José da Silva Almeida jesuíta que vive em Braga onde integra a equipa diocesana dos Jovens em Caminhada e colabora com a Pastoral Vocacional da Arquidiocese.

No Dia do Consagrado, que hoje se assinala, publicamos uma entrevista ao Irmão José da Silva Almeida jesuíta que vive em Braga onde integra a equipa diocesana dos Jovens em Caminhada e colabora com a Pastoral Vocacional da Arquidiocese.

1. Como religioso, que significado tem celebrar este dia? 

Este dia recorda a importância das vocações religiosas consagradas laicais (não sacerdotais) e da pertinência e relevância profética no mundo hodierno. Este dia significa também continuar a “encarnação de Deus” mediada pela entrega da vida ao serviço do Evangelho na Igreja e no mundo.  Assim, a entrega da minha vida expressada nos votos religiosos é um sinal que aponta para os valores que Jesus viveu:

Voto de pobreza: tendo tudo em comum (não ter nada “meu”);

Voto de castidade: manifestando um amor universal (ter no coração lugar para todos);

Voto de obediência: desejando ser livre para obedecer prontamente ao ser enviado onde for mais necessário (disponibilidade total para a missão).

Também, como religioso consagrado, procuro responder ao chamamento de Deus a servir as pessoas a exemplo de Jesus Cristo. Um consagrado é aquela pessoa capaz de dar uma resposta corajosa no tempo atual. A missão do religioso é amar com os sentimentos de Cristo indo ao encontro de todos aqueles e aquelas que são marginalizados e silenciados pela “sociedade excludente” em que vivemos. Ser religioso consagrado é ser sinal de Deus em todos os tempos e todos os lugares e viver como Cristo: amigo, comprometido, promotor da justiça, do amor e da liberdade.

Em suma, este dia recorda-me a minha opção vocacional vital, isto é a experiência constante de ser cativado e seduzido pelo amor de Deus ao qual me entreguei definitivamente com os votos de consagração religiosa.

2. Qual sente ser o sentido da sua vocação no momento que vivemos?  

Penso que o sentido da minha vocação hoje, por um lado, é o dom que Deus, pela minha entrega, oferece à igreja e ao mundo para que o Seu projecto de amor seja vivido e realizado; por outro lado é também a possibilidade existencial de uma realização humana plena e, consequentemente, de uma felicidade autêntica, mas diversa daquela que “o mundo oferece”. Neste sentido, penso que a minha vocação testemunha inequivocamente que o seguimento radical, a tempo inteiro, de Jesus Cristo, é um bem que me torna muito feliz como pessoa.

Para mim, ser religioso consagrado é também sentir-me comprometido, com liberdade, com coração e em simplicidade, a ser Igreja no quotidiano do povo de Deus e a doar toda a vida e a vida toda, para colaborar na construção do Reino de Deus que é de paz e de justiça. Por isso mesmo, no que respeita à missão, o jesuíta irmão é desafiado a estar em sintonia com uma “Igreja em êxodo, em saída rumo às periferias deste mundo, com uma Igreja chamada a construir pontes, aberta aos homens e mulheres contemporâneos de cada etnia, cultura e credo”, como disse o Papa Francisco. Na vida dos religiosos irmãos o amor fraterno concretiza-se através dos mais numerosos serviços e ministérios apostólicos que não impliquem o ministério sacerdotal (sacramento da ordem).

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Ir. José da Silva Almeida - Foto: João Ferrand/Companhia de Jesus

3. As pessoas associam mais a vocação de jesuíta ao padre. O que é mais característico da vocação de irmão na Companhia de Jesus? 

A Companhia de Jesus nasceu em 1540, com um grupo de dez primeiros companheiros, reunidos por Santo Inácio de Loyola (1491-1556). Desde o início, dedicou-se a servir a Igreja através do ministério sacerdotal. No entanto, logo nos primeiros anos, começaram a pedir para entrar na Companhia de Jesus homens com os mais diversos perfis e idades. Eles queriam viver, como jesuítas, a mesma missão e dedicar-se integralmente ao serviço da Igreja e aos mais necessitados. Contudo, não sentiam vocação para o ministério sacerdotal. Foi desse apelo que começou a história dos jesuítas irmãos na Companhia de Jesus.

Durante mais de três séculos, a missão dos irmãos foi voltada para a ajudar os sacerdotes e para serviços mais práticos e internos da Companhia. Mais recentemente, desde a década de 1960, isso foi-se modificando. Hoje, o jovem que entra na Companhia de Jesus como irmão jesuíta participa de toda a formação necessária para diversos apostolados: pastoral dos exercícios espirituais, educação, economia, gestão, ciência, pastoral juvenil, promoção vocacional, juventudes, arte etc.

Um irmão jesuíta é chamado, tal como um sacerdote jesuíta, a viver consagrado a Deus. É chamado a viver a mesma consagração a Deus que todos os demais consagrados na vida religiosa. Tanto o jesuíta irmão quanto o jesuíta sacerdote são religiosos. Contudo, a vocação de irmão consiste num serviço com uma “originalidade” e “radicalidade” próprias, uma vez que o irmão é chamado a viver, como leigo consagrado, o testemunho da vocação religiosa. Assim, o jesuíta irmão encarna por excelência o ser religioso da Igreja para o mundo.

A identidade e a missão do religioso irmão é assumida, tal como nos sacerdotes religiosos, nos votos de pobreza, castidade e obediência, vividos em fraternidade, entendidos como dom de Deus, que se faz presente através da comunhão entre as pessoas.

A comunhão de vida entre pessoas que à partida não se conhecem é a prova mais forte de que Jesus é verdadeiramente Aquele que nos congrega e que dá alegria e sentido à nossa vocação comunitária.

4. Quais são as maiores forças e dificuldades da sua vocação? 

Algumas das dificuldades que, simultaneamente, são as forças da minha vocação são:

-Experiência de intimidade com Deus (vida pessoal de oração). O que significa cuidar da vida espiritual e da intimidade com o Senhor (oração pessoal) que é a grande força para manter viva a alegria, o entusiasmo e a fidelidade a Deus e continuar a viver a vocação de irmão jesuíta à qual fui chamado.

– Ser discípulo autêntico e credível de Jesus Cristo e membro da Sua igreja… Neste aspeto sinto muito o desafio de ser como Jesus, totalmente disponível para o serviço Reino de Deus, em gratuidade e total disponibilidade sem “ses” nem “mas”; isto é, desejar ser um outro Cristo – alter Christus – superando todos os meus limites. Só deste modo é que o testemunho daquilo que sou como religioso poderá “atrair” mais pessoas para Cristo e para a Sua Igreja.

-Viver a experiência da vida comunitária como lugar de comunhão em Cristo.
Foi Cristo quem nos escolheu e atraiu para O seguir e amar. A comunhão de vida entre pessoas que à partida não se conhecem é a prova mais forte de que Jesus é verdadeiramente Aquele que nos congrega e que dá alegria e sentido à nossa vocação comunitária; «Que todos sejam um; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós. Que eles sejam um, como Nós somos um» (Jo 17,21-22).Neste sentido, “ser perito de comunhão” como dizia S. João Paulo II, constituium enorme desafio para mim como jesuíta irmão.

5. Onde encontra maior consolação na relação com Deus? 

Na minha relação com Deus,a maior consolação que sinto provém dos compromissos apostólicos e missões que me foram confiados por Ele através dos meus superiores. Contudo, a maior consolação espiritual encontro-a na realização pessoal que a minha vocação me traz, a qual me faz sentir de coração cheio,e que confirma a resposta que dei há quase 29 anos ao convite do Senhor a segui-Lo neste estado de vida.

Também me sinto como pessoa, e vocacionalmente, um “devedor” e muito agradecido a Deus e à Companhia de Jesus, apesar de “indigno”, por tanto bem recebido ao longo da minha vida de jesuíta. Daí que o meu coração de jesuíta esteja cheio de gratidão a Deus porque me escolheu e chamou a ser Seu discípulo e à Companhia de Jesus porque é o lugar onde sou chamado a entregar toda a minha vida de modo generoso e feliz.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.