Que amor pões no que fazes?

Amar é o verbo principal da fraternidade a que somos chamados, mas não basta conjugá-lo em palavras. Amar o próximo como Deus nos amou exige disponibilidade, exige tempo e desprendimento, e exige entrega.

Amar é o verbo principal da fraternidade a que somos chamados, mas não basta conjugá-lo em palavras. Amar o próximo como Deus nos amou exige disponibilidade, exige tempo e desprendimento, e exige entrega.

A reflexão que hoje partilho convosco parte de uma interrogação, e não é por acaso: as perguntas fazem parte do meu dia a dia. Seria bem capaz de escrever só com frases interrogativas, porque que me ajudam a pensar, a decidir, a escolher. Porque me ajudam a encontrar caminho.

No atual contexto de incerteza sobre o que nos espera no pós-pandemia, e com a ameaça real de uma nova guerra mundial, o Evangelho deste domingo recorda-nos o testamento espiritual que Cristo nos deixou: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”. E que o façamos como Ele o fez por nós: “Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”. Há lá desafio maior?

O amor que Cristo nos ensina, e a que nos convida, parece muitas vezes para além das nossas capacidades. Afinal, que amor pomos no que fazemos? Que amor pomos no que pensamos? Que amor alimentamos e permitimos que permaneça nos nossos corações, que nos leve a superar-nos em atenção, em ajuda concreta, em solidariedade?

Que amor conseguimos pôr em cada gesto quotidiano, em cada palavra, em cada minuto que dedicamos à escuta do outro? Que sensibilidade temos em relação à solidão e ao sofrimento discreto da alma, cuja dor é tão ou mais destruidora do que a física?

Como combatemos a indiferença? Somos capazes de sair de nós próprios, ou já só agimos por reação, e a conta gotas, aos estímulos que nos chegam pelas notícias ou pelas redes sociais, de conflitos mais ou menos distantes, ou de casos mais ou menos mediáticos? E conseguimos ver quem está mesmo ao nosso lado?

Que amor somos capazes de sentir quando vemos as imagens diárias de uma guerra, que nos interpela, porque nos parece mais próxima do que outras, mas que não deixaram de existir e se arrastam na mesma crueldade? Percebemos que é urgente, como nos diz o Papa, contribuirmos para criar uma “civilização do amor”?

O amor que Cristo nos ensina, e a que nos convida, parece muitas vezes para além das nossas capacidades. Afinal, que amor pomos no que fazemos? Que amor pomos no que pensamos?

Entre as imagens e testemunhos que nos chegam da Ucrânia estão muitos relatos de dor e sofrimento, muitos exemplos de amor ao próximo e também muitas interrogações. Afinal, onde está Deus no meio da guerra? Será possível amar o nosso semelhante, mesmo quando é inimigo? Só o amor de Deus no coração dos homens pode levar ao perdão recíproco.

Não há amor, não pode haver amor, em quem mata e destrói. Não há amor em quem ignora ou se acha superior ao seu semelhante, em quem despreza o pobre que lhe estende a mão, em quem nunca se deu aos outros ou nunca sentiu alegria pelo sucesso alheio. Como não há amor em quem impõe ideologias, ideais de vida, convicções.

Amar é o verbo principal da fraternidade a que somos chamados, mas não basta conjugá-lo em palavras. Amar o próximo como Deus nos amou exige disponibilidade, exige tempo e desprendimento, e exige entrega.

O Papa Francisco tem-nos lembrado tantas vezes da urgência em combater a indiferença. Mais recentemente tem insistido no apelo a que não aceitemos a “normalização” do mal. Sim, corremos esse risco, o de banalizar e aceitar como “normal” que haja guerra, fome e perseguições, mesmo quando tudo parece ainda “lá longe”.

Que amor pomos no que fazemos?

As interrogações ajudam a soletrar o verbo Amar e a dar significado à palavra Irmão. Eu, sempre com muitas interrogações, todos os dias peço que a luz do Espírito Santo ilumine o meu coração, o meu pensamento, a minha palavra, o meu caminho e a minha ação. Peço que o Amor de Deus me guie, nos guie, porque só o Amor faz a diferença.

Fotografia de Evan Dennis – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.