Povo vs Democracia: contradições contemporâneas

A Brotéria sugere um livro que procura explicar e encontrar respostas para o clima de incerteza que se vive atualmente nas democracias liberais.

A Brotéria sugere um livro que procura explicar e encontrar respostas para o clima de incerteza que se vive atualmente nas democracias liberais.

A dicotomia apresentada pelo título pode parecer simplista, ou até reflexo de uma manobra de marketing que procura captar a atenção do potencial leitor para mais uma obra sobre a crise da democracia liberal. No entanto, esta não é apenas mais uma obra sobre este tão badalado tema, nem o seu título é minimamente enganador: a dicotomia povo-democracia constitui exatamente a base sobre a qual é construída esta obra.

Refutando a ideia de que liberalismo e democracia constituem uma dupla inseparável, Yascha Mounk procura demonstrar que a maior ameaça enfrentada pelas democracias atuais resulta do conflito entre estes dois elementos. O demos popular (passo a redundância) de um lado, entrou em rota de colisão com o liberalismo elitista do outro. Como resultado desse embate, assiste-se ao aparecimento de dois fenómenos antagónicos: democracias antiliberais e liberalismos antidemocráticos, consoante aquele que seja o elemento dominante na sociedade em questão.

Esta exposição, que encontramos no primeiro capítulo do livro, intitulado de “A Crise da Democracia Liberal”, não é original do ponto de vista substancial e científico. No entanto, o autor é capaz de a apresentar de uma forma sistemática, recorrendo a uma linguagem renovada, rigorosa e acessível a um público alargado. Os dois outros capítulos desta obra dizem respeito às Origens desta crise e à apresentação de soluções para a mesma.

Quanto às origens, a obra aponta para três fatores: a estagnação do crescimento económico; a rápida mudança étnica das sociedades ocidentais e o aparecimento das redes sociais. Destacamos este último fator que, ao contrário dos dois primeiros, constitui uma inovação no campo desta discussão. Partindo de um ponto de vista político, a obra analisa o impacto das redes sociais sobre a dispersão de informação e considera-as como causadoras de uma revolução comunicacional capaz de corroer o tecido das sociedades democráticas. Trata-se de uma reflexão original, mas que certamente ressoará familiar para muitos leitores.

Por fim, e como tem sido habitual nos livros desta natureza, o autor procura apresentar soluções para a crise das democracias. Neste ponto, o autor divide a sua obra em três capítulos: Domesticar o Nacionalismo, Consertar a Economia e Renovar a Fé Cívica. As propostas apresentadas são muito interessantes e apresentadas de forma livre, embora pouco sistemática. Isto resulta, entre outros eventuais motivos, da identidade e experiência do autor.

Descendente de judeus polacos, Mounk cresceu na Alemanha, estudou no Reino Unido e nos Estados Unidos, congregando, por isso, aspetos de cada uma destas tradições nas soluções que propõe. No campo económico é apresentada uma visão claramente influenciada pela social-democracia europeia e alemã, enquanto que ao nível social recorre-se à tradição da citizenship americana e ao pensamento liberal anglo-saxónico.

No final, não se trata de uma obra puramente científica, apesar da muita ciência que inclui, nem de uma obra meramente empírica. Por isso, pode ser uma leitura desafiante para professores e leigos, jovens e velhos, americanos e europeus, sociais-democratas e liberais. Porque, afinal, a crise da democracia liberal afeta-nos a todos, em maior ou menor medida.

MOUNK, Yascha

Povo vs democracia

392 págs., Lua de Papel, 2019 (18,50€)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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