Páscoa: o véu do Templo rasgou-se

O caminho para o Santo dos Santos está aberto para todos e para sempre e não haverá melhor e maior notícia, até ao fim dos tempos.

O caminho para o Santo dos Santos está aberto para todos e para sempre e não haverá melhor e maior notícia, até ao fim dos tempos.

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O templo de Jerusalém tinha um grande véu de linho fino, uma cortina com 18 metros de altura com anjos bordados a ouro, e que guardava o lugar mais sagrado do templo: o Santo dos Santos, sítio onde só o sumo sacerdote podia entrar, uma vez ao ano.

A sexta-feira santa ficou marcada pelo acontecimento mais absurdo de sempre, quando às 3 horas da tarde, em que tradicionalmente se ofereciam os sacrifícios no tempo, Jesus morre. Desde então, todos aqueles que tinham posto a sua esperança em Jesus se sentiram completamente perdidos, traídos na confiança e cheios de medo, como se um muro intransponível tivesse sido erguido à sua frente. Essa sensação é a mesma que sentimos de cada vez que a morte irrompe nas nossas vidas, com ou sem aviso, e nos obriga a relativizar quase tudo aquilo que, até então, nos importava e preocupava.

Ora, a pouco e pouco, podemos ir percebendo como, no momento da morte, enquanto a terra ficava escura e a tremer, “o véu do templo se rasgou de alto a baixo” (Mt 27, 51), da mesma forma como uma semente se parte na escuridão da terra, para fazer germinar uma planta, ou como um ovo se parte, para deixar surgir uma nova vida no mundo. Assim, a vida revela-se como sendo muito maior do que aquilo que seríamos capazes de imaginar, ao olharmos para uma semente ou um ovo. Interpela-nos pela força com que algo se tem de perder, para algo novo ser possível.

Quando o véu do templo se rasgou de cima a baixo, foi o próprio Deus quem o rasgou, lá do alto, para revelar mais claramente o mistério da vida eterna, uma vida muito maior do que aquilo que seríamos capazes de imaginar ao olhar para nós, para o nosso corpo, para a nossa realidade. A partir daqui, é a ressurreição, o céu e a vida em Deus que se mostram mais próximos do que alguma vez estiveram. O próprio Jesus ressuscitou e iluminou o caminho da humanidade e, com Ele, também nós ressuscitaremos, como nos diz S. Paulo de maneira muito clara e simples: “se a esperança que temos em Cristo não vai para além desta vida, somos os mais miseráveis de todos. Mas a verdade é que Cristo ressuscitou dos mortos, e é garantia de ressurreição para os que morreram” (1Cor 15, 19-20).

O próprio Jesus ressuscitou e iluminou o caminho da humanidade e, com Ele, também nós ressuscitaremos, como nos diz S. Paulo de maneira muito clara e simples: “se a esperança que temos em Cristo não vai para além desta vida, somos os mais miseráveis de todos. Mas a verdade é que Cristo ressuscitou dos mortos, e é garantia de ressurreição para os que morreram” (1Cor 15, 19-20).

O centro da nossa fé “está aqui”, na ressurreição do próprio Jesus! No Norte de Portugal, o domingo de Páscoa vive-se com todos os sinais de alegria, entre campainhas, sinos, flores, bandas filarmónicas, fogo de artifício, comida e bebida, indo a cruz paroquial florida de casa em casa, para anunciar a ressurreição de Jesus e abençoar as famílias. Noutros locais, vive-se este dia de forma mais discreta, visto que também a confiança na ressurreição pode ir surgindo na nossa vida de forma mais discreta e lenta, como a planta que vai encontrando o seu caminho da escuridão da terra até à a luz do sol, deitando raízes cada vez mais profundas que lhe dão segurança.

Assim, vai ganhando raízes a confiança no anúncio das mulheres que protagonizam a manhã de Páscoa, ao anunciarem que o Senhor está vivo e que já vai à nossa frente. E o túmulo, para o qual somos tentados a continuar a olhar, está definitivamente vazio, levando-nos a perceber que o essencial da vida não é aquilo que se vê, mas algo maior que não se vê e no qual aprendemos a confiar. É sabido que confiamos melhor em comunidade, uns com os outros, partindo da experiência daqueles que, seguindo Jesus, fizeram este caminho antes de nós e deram a vida com confiança. É uma grande bênção acompanhar pessoas em fases finais da sua vida e poder testemunhar com que paz e serenidade é possível percorrer o caminho que Jesus mostrou na cruz. Portanto, podemos confiar na Vida Nova da Ressurreição, porque o poder e o amor de Deus não podem deixar que aqueles que Deus criou, por amor, desapareçam para o nada.

Recordo comovido e agradecido o testemunho de fim de vida e também de confiança na ressurreição de tantos familiares e amigos, de tantos companheiros jesuítas. Recordo a dignidade, solenidade e paz com que partiu o P. Manuel Ferreira, jesuíta missionário em Moçambique durante tantos anos, que escreveu inspirado na paixão de Jesus:

 

Tenho sede

Não da morte

mas do que a morte me traz.

Estou em paz.

Tudo está consumado

Não por mim

mas por Ti.

E basta assim. (Maputo, 2006)

 

Como contemplamos nestas palavras, oxalá todos tenhamos sede de ir sonhando com o céu, com a ressurreição, com a eternidade. Mesmo sem conseguirmos imaginar o que será, queremos confiar, para que os nossos planos na vida não se limitem àquilo que poderemos viver cá, mas possam ser elevados ao sonho da vida em Deus, porque “não temos aqui morada permanente, queremos sempre ir mais longe”.

Portanto, no dia de Páscoa, que os nossos corações se abram à confiança e aposta na Vida, na Vida Nova e Eterna, que o Senhor nos promete; que desejemos cantar Aleluia com toda a força do nosso espírito, porque o “Senhor está Vivo!” e vivos estaremos nós também com Ele para sempre. O caminho para o Santo dos Santos está aberto para todos e para sempre e não haverá melhor e maior notícia, até ao fim dos tempos.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.