Papa fala de inteligência artificial no Dia Mundial da Paz

Mensagem de Francisco para o primeiro dia do Ano, Dia Mundial da Paz, é dedicada ao tema da inteligência artificial e dos desafios que está a colocar à humanidade.

Mensagem de Francisco para o primeiro dia do Ano, Dia Mundial da Paz, é dedicada ao tema da inteligência artificial e dos desafios que está a colocar à humanidade.

No dia 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, o Papa Francisco publicou a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz. Talvez para surpresa de muitos, este ano a mensagem é dedicada ao tema da Inteligência Artificial (IA). Não é uma questão nova, mas é considerada cada vez mais urgente. Há anos a esta parte que a Santa Sé tem seguido com muita atenção os desenvolvimentos no campo da IA, sobretudo no que concerne às questões da medicina e do armamento. Esta declaração é, certamente, o resultado da reflexão da Santa Sé para o novo paradigma humano imerso na IA.

A declaração é, em si, um apelo a uma reflexão critica à IA. Como a declaração bem expressa, “quando os seres humanos, ‘recorrendo à técnica’, se esforçam por que a terra ‘se torne habitação digna para toda a humanidade’, agem segundo o desígnio divino e cooperam com a vontade que Deus tem de levar à perfeição a criação e difundir a paz entre os povos. Assim o próprio progresso da ciência e da técnica – na medida em que contribui para uma melhor organização da sociedade humana, para o aumento da liberdade e da comunhão fraterna – leva ao aperfeiçoamento do homem e à transformação do mundo”. A tecnologia tem e deverá ter sempre um valor instrumental para um mundo melhor, em que a humanidade prevalece. Nesta medida, o documento chama a atenção para como “os novos instrumentos digitais estão a mudar a fisionomia das comunicações, da administração pública, da instrução, do consumo, dos intercâmbios pessoais e de inúmeros outros aspetos da vida diária.”

A questão é clara…mas há riscos de isso acontecer? Efetivamente, como o documento salienta, a IA “já entrou na linguagem comum, abrange uma variedade de ciências, teorias e técnicas destinadas a fazer com que as máquinas, no seu funcionamento, reproduzam ou imitem as capacidades cognitivas dos seres humanos”.

Prossegue o Papa: “Desenvolvimentos como a aprendizagem automática (machine learning) ou a aprendizagem profunda (deep learning) levantam questões que transcendem os âmbitos da tecnologia e da engenharia e têm que ver com uma compreensão intimamente ligada ao significado da vida humana, aos processos basilares do conhecimento e à capacidade que tem a mente de alcançar a verdade.”

Deste forma, a declaração pede aos cristãos do mundo inteiro que não aceitem este progresso sem uma profunda reflexão ética sobre a sua utilidade para um mundo mais humano. O risco da dependência do mundo internético é real e oculto. Oculto no sentido em que não sabemos como opera, como retém cada passo da nossa existência digital e como os nossos dados pessoais podem ser utilizados sem o nosso conhecimento e consentimento. Talvez, entre linhas, o documento chame a atenção como o direito a intimidade da vida provada esta altamente comprometido. A declaração, em si, é extremamente ambiciosa. Tenta cobrir os mais importantes desafios da IA na suas mais diversas vertentes. Pode resultar de leitura não fácil para um leitor menos treinado no campo da Inteligência Artificial. No entanto, o desejo e o apelo da Santa Se é justificado e claro, evocando “a responsabilidade dos Estados soberanos de regular a sua utilização internamente, as Organizações Internacionais podem desempenhar um papel decisivo na obtenção de acordos multilaterais (…) para adotar um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas.”

Em última análise, na busca de modelos normativos que possam fornecer uma orientação ética aos criadores de tecnologias digitais, é indispensável identificar os valores humanos que deveriam estar na base dos esforços das sociedades para formular, adotar e aplicar os quadros legislativos necessários.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.