No dia 10 de Junho de 1983, o P. Manuel Antunes foi agraciado com a Comenda da Ordem Militar de São Tiago de Espada, pelo serviço em prol da cultura e do ensino universitário. Por motivo de doença não pôde estar presente na cerimónia solene, mas o Presidente da República, General Ramalho Eanes fez-lhe saber que fazia questão em lhe colocar as insígnias pessoalmente, logo que a saúde permitisse a deslocação do padre Antunes, ao Palácio de Belém. O seu precário estado de saúde não lhe permitiria, porém deslocar-se a Belém por isso, o Presidente da República dignou-se ir pessoalmente entregar-lhe as insígnias à Residência da Brotéria. Assim o último retrato que conhecemos do P. Manuel Antunes foi tirado durante esse mês de Junho, na sala de leitura da biblioteca da Casa de Escritores da revista Brotéria, entre os retratos a óleo de antigos jesuítas, onde podemos ver o homenageado de aspeto frágil e debilitado, com o seu ar humilde e discreto, a receber o colar da ordem de S. Tiago, das mãos do General Ramalho Eanes.
O P. Manuel Antunes acabaria por falecer no dia 18 de janeiro de 1985, e há mais de um ano que se encontrava internado no Hospital de Santa Maria, por agravamento da sua doença, o “parkinsonismo”, mal que o afetava já há anos e que, embora lento, foi sempre progressivo. A comunidade da Brotéria, sobretudo, foi incansável entre os jesuítas de Lisboa, no acompanhamento pode dizer-se que diário ao longo desses meses.
O corpo do P. Manuel Antunes esteve em câmara ardente na igreja de S. Francisco de Paula, onde às 15 horas do dia 19, sábado, teve lugar uma concelebração presidida por D. Serafim Ferreira da Silva, em representação do Cardeal-Patriarca de Lisboa, e em que concelebraram mais de 30 sacerdotes, entre os quais o Padre Provincial, muitos jesuítas e os seus colegas sacerdotes também professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Esteve presente na concelebração e participou até ao fim do funeral, que se realizou para o cemitério da Ajuda, o Presidente da República, General Ramalho Eanes e Esposa, D. Manuela Eanes. Ao princípio da tarde, passaram pela Igreja, o Primeiro Ministro, Dr. Mário Soares, o Vice-Primeiro Ministro, Prof. Mota Pinto, que apresentaram pêsames aos jesuítas e família presentes. Diversas entidades, religiosas, civis e académicas apresentaram os seus cumprimentos; numa manifestação de apreço e de admiração pelo amigo, pelo professor e pelo sacerdote.
Mas o verdadeiro retrato do P. Manuel Antunes foi desenhado no mês que se seguiu à sua morte na imprensa portuguesa. Julgamos tratar-se de um caso inédito o facto de ter ocupado as colunas dos mais diversos jornais durante um mês a fio, quase diariamente.
A televisão assinalou a sua morte e o funeral – que teve a presença do Presidente da República e Exma. Esposa e na Rádio, quer na Radiodifusão Portuguesa, quer na Rádio Renascença algumas personagens foram chamadas a depor sobre ele nos primeiros dias após o falecimento.
O verdadeiro retrato do P. Manuel Antunes foi desenhado no mês que se seguiu à sua morte na imprensa portuguesa. Julgamos tratar-se de um caso inédito o facto de ter ocupado as colunas dos mais diversos jornais durante um mês a fio, quase diariamente.
Foi no entanto, a imprensa que se destacou no recordar perspetivas diferentes da vida e da obra do P. Manuel Antunes. Em geral, poderemos resumir todos os testemunhos em referência a quatro faces do seu retrato: ao Humanista, ao Pedagogo, ao Homem da cultura e ao Filósofo.
Um Humanismo dialogal
Na Reunião Plenária de 22 de Janeiro de 1985, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto de pesar “pelo falecimento do professor da Faculdade de Letras, Padre Manuel Antunes”, Produziram declarações de voto representantes de todos os grupos parlamentares, todos eles elogiando o pensador e lamentando a sua perda. É o seguinte o voto de pesar: “Considerando o enorme contributo dado pelo padre Manuel Antunes, recentemente falecido, para o enriquecimento da cultura portuguesa contemporânea.Considerando designadamente que o ensino na Faculdade de Letras de Lisboa foi expressão de um saber que é solidariedade e esperança nos homens e um ponto de referência na Universidade portuguesa. Considerando que procurou, através do diálogo entre os diversos saberes- as ciências, a filosofia, a literatura e a história- a compreensão mais funda do sentido das correntes culturais que atravessam o mundo. Considerando a sua dignidade de homem, de intelectual e cidadão aberto permanentemente ao diálogo e à procura da verdade, os deputados abaixo assinados propõem à Assembleia da República:
Um voto de pesar pelo falecimento do P. Manuel Antunes, uma das grandes figuras da cultura portuguesa contemporânea, homem de uma notável estatura moral e um espírito permanentemente aberto ao diálogo e à procura da verdade”.
Por ser a declaração de voto mais expressiva, e a que foi mais aplaudida no hemiciclo de São Bento, transcrevemos na íntegra, a declaração do dr. Sottomayor Cardia, deputado pelo Partido Socialista: “Desapareceu uma grande figura intelectual. Era um homem de aspeto frágil, presença discreta, expressão sóbria, olhar vivíssimo. Foi professor. Honrou a Faculdade de Letras e a Universidade. Durante mais de 15 anos sobrecarregaram-no com um serviço docente esmagador em disciplina não coincidente com o essencial dos seus interesses intelectuais. Era uma cadeira do 1º ano, de frequência obrigatória para quase todos os alunos da Faculdade: um mundo de quase 1.000 estudantes a que era preciso falar sem microfone e que era necessário examinar no fim do ano. Filósofo dos mais informados e vocacionados da cultura portuguesa deste século e pensador de fundamental inquietação filosófica, só pôde ensinar filosofia após a revolução de abril. Todavia, apesar de esses e outros obstáculos, com que dolorosamente houve de defrontar-se ao longo da vida, dedicou-se ao ensino com modéstia, determinação, aparentemente com alegria. As suas aulas eram um espetáculo de rigor, de informação, de ordem, de eloquência, de elegância. Mas constituíam, para além disso, um desafio à curiosidade do espírito, um estímulo ao pensamento próprio, um convite à reflexão. Submeteu-se na prática ao lema que uma vez enunciou: tão difícil é a reflexão como fácil a informação e a erudição. Ouso admitir que muito poucos dos seus antigos alunos o terão esquecido ou o poderão esquecer, mesmo entre quantos – e é a imensa maioria – se não interessem pelas matérias que lecionava. Foi um grande escritor. Prosa límpida e rigorosa, fluente e disciplinada, ágil e cristalina, imaginativa e objetiva, intuitiva e racionalizada. Poucos portugueses conheci que tão bem dominassem a expressão oral e a expressão escrita. Como foi aproximadamente o caso de António Sérgio, de quem era amigo, não nos deixou em rigor um livro. A amplitude de horizontes intelectuais, a solicitação de publicação periódica, certamente o desejo de intervir no dia a dia, levaram-no a entregar-se à redação de ensaios de média dimensão. Sobre filosofia, literatura, acontecimentos e problemas sociais, educação. Quantos deles, na aparente simplicidade e na real densidade, não pressupõem trabalho de informação suficiente para compor livros! São sobretudo ensaios de interpretação crítica: interpretação dos grandes temas e dos grandes rumos da nossa contemporaneidade, interpretação de filósofos, de poetas, mais raramente de ficcionistas. Mas pôde ainda assim reunir, com o subtítulo ‘O pensamento e o reino’, um significativo numero de escritos expositivos de aspeto relevante do seu próprio pensamento doutrinário. É impressionante a atualização da sua cultura, o conhecimento compreensivo de tantas e tão desencontradas formas de pensar. O que pôs à prova a sua coragem. Em Portugal era na verdade necessária muita coragem para que um jesuíta escrevesse sobre o marxismo com a abertura de espírito com que o fez pelo menos desde os anos 50. Às páginas da Brotéria destinou a maior parte do que escreveu. Foi a militância intelectual do membro da Companhia de Jesus. Dirigiu a revista a partir de 1965. E como a renovou! Não apenas transformou em coisa viva – que antes pouco era – mas na melhor revista cultural portuguesa do tempo. Também por isso vagou. A censura oficial tornou-se atenta e interveniente e o diretor optou por ocultar-se sob múltiplos pseudónimos. O seu próprio nome teve de desaparecer do cabeçalho da revista nos dois últimos anos do regime deposto em 25 de Abril. Exemplo vivo de tolerância, era também um cidadão independente. Um amigo da liberdade, um democrata convicto. Chegou mesmo a ser, embora em sua casa, interrogado pela PIDE. Serena e criticamente, viveu a democracia restaurada como cidadão ativo e intelectual atento. Repensar Portugal evidencia o rigor e a riqueza do seu pensamento político. Foi sem sombra de dúvida uma das maiores figuras da cultura portuguesa destas décadas. Um homem que, em qualquer parte do mundo, teria sido alguém.”
O Ministério da Educação louvou, a título póstumo, o P. Manuel Antunes, pelos seus altos serviços prestados à Universidade, à educação e à cultura portuguesa. O despacho assinado pelo prof. Augusto Seabra elogia este intelectual, como “figura paradigmática para os Professores e alunos” e faz ressaltar o seu contributo “no ensino da cultura clássica e filosófica”. Além de deixar “uma obra de grande significado espiritual’, o ministro louva ainda “o seu exemplo de dignidade ética, de doação à comunidade e de entranhado patriotismo”.
O Centro de Reflexão Cristã, de Lisboa, promoveu a 14 de fevereiro de 1985, uma sessão evocativa de homenagem, onde participaram o dr. António Reis, a dra. Salette Tavares, a dra. Maria de Lurdes Ferraz, o prof. Lindley Cintra e o P. João Maia, alem do dr. José Leitão (do C.R.C.), que organizou e presidiu à sessão. Cada um dos intervenientes evocou, segundo a amizade, as áreas e os interesses de conhecimento que o relacionaram com o P.. Antunes, a elevada estatura moral e intelectual do homenageado.
Arnaldo de Pinho publicou um texto intitulado: Manuel Antunes: a revolução da sensatização, em “O Comércio do Porto” (2.02.1985), onde escreveu: “Não era uma dessas marionetas, como outros do nosso mundo português e até talvez especialmente católico, que falava de todas as coisas, com aquele à-vontade que só a ignorância atrevida dá. Era antes um homem que, vindo da melhor tradição humanista ocidental, tinha assimilado suficientemente a matriz em que se inseria, para lhe captar as intuições decisivas, os balanços prováveis, ou as forças latentes. Alguém chamou ao seu ensino e ao seu testemunho, um humanismo dialogal. E talvez não haja melhor designação para este afável jesuíta português, falecido aos 66 anos. Manuel Antunes viveu e assumiu, à sua maneira, as vicissitudes culturais nascidas da situação da Europa e também a evolução portuguesa a partir dos anos sessenta, altura em que começava esse facto decisivo que foi a guerra do Ultramar. A maioria dos seus estudos publicados na revista Brotéria, a partir de 1965, refletem essa crise do humanismo, em face de novos desafios. Mas a estatura mental de Manuel Antunes mede-se justamente pela sua capacidade de recuo e de enquadramento. Recuo que o leva a sistematicamente ver os fenómenos nacionais em marchas mais amplas de civilização, enquadramento que leva a colocar os factos como sintomas de correntes profundas, tentações ou enlevos, do nosso humanismo”.
Um voto de pesar (na Assembleia da República) pelo falecimento do P. Manuel Antunes, uma das grandes figuras da cultura portuguesa contemporânea, homem de uma notável estatura moral e um espírito permanentemente aberto ao diálogo e à procura da verdade”.
Um intelectual ecumênico
Foi com este título que se lhe referiu o “Diário de Notícias” no seu Editorial de 21 de Janeiro, que transcrevemos na íntegra. “Com a morte do P. Manuel Antunes, a cultura portuguesa perdeu um dos seus mais qualificados expoentes dos últimos decénios. Para a maioria dos que com ele conviveram, se mais não fosse por terem assistido às magistrais lições que durante anos proferiu na Faculdade de Letras de Lisboa, será talvez desnecessário sublinhar a relevância desta personalidade ímpar no nosso meio. Porém, a forma específica como exercia o seu magistério e afirmava a solidez da sua erudição – aliada à sobriedade, que era, juntamente com a atenção que sempre dispensava aos outros, o traço porventura mais marcante da sua personalidade – impunha-lhe uma certa discrição em tudo contrário ao mundanismo que tão frequentemente ergue na praça pública os ídolos com pés de barro. Daí que para muitos, talvez tenha passado despercebida a sua intervenção na cultura portuguesa, pesem embora as marcas que nela vincou. O P. Manuel Antunes – como toda a gente se referia a ele, sem que isso significasse menosprezo pelos elevados títulos universitários que possuía e que nele honravam a instituição académica – era uma daquelas figuras intelectuais cada vez mais raras, se não impossíveis, em virtude da multiplicidade dos saberes de hoje e da consequente especialização, que detêm o segredo de moldar a realidade presente em quadros conceptuais que estão acima da diversidade das circunstâncias por isso constituem os marcos de referência de uma civilização, quando não mesmo de todos os valores por que se define o humano. O humanismo era de resto, o tópico fundamental da sua reflexão, tanto nas aulas como nos livros e artigos. Não um humanismo entendido nos limites de qualquer mortal e identificador apenas de uma forma de comportamento ético, mas um humanismo vivido no seu sentido pleno de reivindicado interesse por tudo o que e humano.Jamais a sua condição assumida de jesuíta e testemunho exemplar da Igreja e da ordem de Santo Inácio lhe impediu o diálogo com as mais diversas ideologias ou lhe inibiu a abordagem afoita dos livros e correntes de pensamento modernas que conhecia como poucos. Talvez por isso, o clássico e as vanguardas, o dogma e as antinomias, a ética e a estética se conjugavam no seu magistério com a clareza que só evidenciam os que muito meditaram, antes de se pronunciarem e os que possuem do espírito uma visão rasgada e integradora. Por mais de uma vez, as dimensões da sua erudição e esta disposição natural cultivada para o diálogo interdisciplinar e intersistemas fez recair sobre ele a suspeita de um ecletismo sem parâmetros nem princípios reguladores. Tal acusação, todavia, não tinha outro fundamento que não fosse a incapacidade dos que o liam ou dos que o ouviam para vislumbrar o que em toda essa disponibilidade e abertura havia de alicerçada convicção. Quem se der ao trabalho de ler a multiplicidade dos seus escritos sobre os objetos mais diversos poderá constatar as linhas de evidência que o percorrem e a coerência com que neles se estrutura um pensamento.Nada disto, como dissemos, alguma vez se revestiu de futilidade ou caiu na tentação de abandonar o plano da reflexão aprofundada para se imiscuir no provisório das efemérides sociais, politicas ou sequer culturais. Ele, que sempre se preocupou com o social e com a justiça, mesmo quando tantos moldavam o pensamento às circunstâncias propiciadoras de títulos e vantagens, soube manter-se fiel ao essencial, àquele núcleo de opções sem as quais a política ou a cultura descambam no episódio e na arbitrariedade. Ele, que dominava com mestria a cultura de vários povos e nações, nunca perdeu de vista a “condição portuguesa”, à qual voltava sempre na sua reflexão”.
O jornal “A Defesa” de Évora, publicou um texto intitulado: “O verdadeiro sentido do Homem é o verdadeiro sentido de Deus”, onde descreve: “Quem, mais ao perto, ou mais ao longe, seguiu a vida do P. Manuel Antunes e conhece o modo de ser e agir dos jesuítas, não pode deixar de notar o modo inteligente e pragmático com que estes o souberam colocar em posição de fazer render os talentos com que a Providência liberalmente o tinha dotado. Primeiro, escolhendo-o para formador dos seus confrades; depois, colocando-o como escritor da revista Brotéria; num último tempo, deixando-lhe caminho aberto para aceitar a docência na Universidade. Por outro lado, conhecendo a sua profunda formação humanística e sólida formação filosófico-teológica, unidas a um criterioso sentido de Igreja, nomearam-no por largo tempo Conselheiro do Provincial e, por duas vezes, o elegeram como representante português na Assembleia máxima da Ordem que se reúne em Roma, com representantes eleitos de todo o mundo, sempre que é preciso eleger novo Geral – “o Papa Negro” – ou adaptar a legislação jesuítica às circunstâncias mudadas dos tempos ou a novas orientações da Igreja Universal. Sobressai assim no perfil do P. Manuel Antunes uma dupla faceta: a do jesuíta ad intra – formador de jesuítas, conselheiro de Provinciais, membro eleito das suas assembleias legislativas; e jesuíta ad extra, enquanto, sobretudo na revista Brotéria e na Faculdade de Letras, lia criteriosamente “os grandes contemporâneos” ou os “sinais dos tempos” inscritos no devir social, em período de tão profundas mutações e tensões na Igreja e na sociedade civil. Do seu amor à Verdade que ecumenicamente ia desencantar nas obras dos mais diversos Autores e nos acontecimentos mais desencontrados, poderão dar testemunho os cerca de 15.000 alunos que passaram pelas suas aulas e dão-no, além da multiplicidade de artigos seus publicados em Revistas e Enciclopédias, os livros editados: Ao Encontro da Palavra (1960), Do Espírito e do Tempo (1960), Indicadores de Civilização (1972), Grandes Derivas da História Contemporânea (1972), Educação e Sociedade (1973), Grandes Contemporâneos (1979), Repensar Portugal (1979), Occasionalia (1980). Do P. Manuel Antunes, da sua vida e da sua obra, falaram os meios de comunicação social, que não esqueceram nem o seu doutoramento honoris causa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nem a distinção com que o galardoou o Presidente da República, em 1983, conferindo-lhe o grau de Grande Oficial de Santiago da Espada, homenageando o sacerdote, professor, escritor, jesuíta, cuja vida e acção fecunda e discreta, pode encontrar explicação sob o signo unificador do sacerdócio, na convicção “originada da consciência de que tudo aquilo que vai no sentido de Deus vai realmente no sentido do Homem” (M. Antunes, Do Espírito e do Tempo, Ática, Lisboa, 1960, pag. 10). Oxalá o seu exemplo frutifique”.
Servir a Igreja na Cultura
A faceta do P. Manuel Antunes, como homem da Igreja e da Cultura, é apresentada por diversas individualidades, em diferentes periódicos.
José Medeiros Ferreira, escrevia no “Diário de Noticias” (24.01.85): “Pretendia elaborar uma “História da Cultura Ocidental” mas nunca dispôs de condições mínimas para o fazer. Sempre sereno e discreto, a sua atenção dirigia-se para o cuidado e intervenção nos domínios em que se afirma ou se extingue a liberdade e o respeito pela dignidade humana”.
José Sousa Monteiro, no mesmo dia, escrevia: “Nos tempos que correm, em que intelectuais e honestos estão em vias de extinção, a preços de saldo, lembrar Manuel Antunes é reafirmar que “a cidade só vive da liberdade dos seus cidadãos”.
O Prof. José Borges de Macedo, em “A Tarde” (24.01.85), escrevia: “A atitude universalista e compreensiva, integrada em valores necessários, é a melhormedida da pessoa, com intenção e significado coletivo. Foi este o tópico da responsabilização de Manuel Antunes para com a comunidade que serviu”.
A profª Maria de Lurdes Belchior, no “Diário Popular” (4.02.1985), escrevia: “Insisto: as suas propostas de desburocratizar, desideologizar, desclientalizar, descentralizar, as suas reflexões sobre o poder deveriam ser meditadas por quantos estão empenhados em reconstruir Portugal. A cultura portuguesa perdeu um dos seus grandes vultos. Que se não perca a lição da sua obra e da sua vida, fruto de uma reflexão cristã sobre os homens e o mundo”.
Orlando Ribeiro no “Diário de Notícias” (31.01.1985), caracterizava a vida do P. Manuel Antunes como “uma vida do espírito” e dizia dele que foi “um homem exemplar pelo saber, pela modéstia e pela tolerância, grande escritor de ideias, talvez o mais fecundo da nossa época e cuja obra é impossível apreciar por algumas coletâneas publicadas com o seu nome e por dezenas de pseudónimos na revista Brotéria”.
Rui Osório terminava assim uma sua apresentação de testemunhos sobre o padre Antunes, na “Voz Portucalense” (14.02.1985): “O P. Manuel Antunes era um apaixonado pelo progresso do povo português; um apaixonado pela democracia. Mas entendia que não basta uma revolução política, económica, social e cultural. Impõe-se uma revolução moral”.
Guilherme d’Oliveira Martins, no “Diário Popular” (01.02.1985), sob o título “Um ‘viajante’ chamado Manuel Antunes”, define-o assim: “Um peregrinador incansável, ávido de conhecer, no íntimo de quem o Ser brilhava no ek-stase da ek-sistência.”
O “Jornal de Letras”, no seu nº 133, de 22 de Janeiro de 1985, através de Luís Filipe Barreto, assim evocava “esta figura singular da cultura portuguesa”: “Figura exemplar, humana e intelectualmente, o P. Manuel Antunes afirma-se, acima de tudo, como um pensador Humanista e Dialogal. Pensador Humanista porque portador duma antropologia filosófica que entende o Cristianismo como vida e mundo e, por isso, ama o ser humano no seu concreto civilizacional, no sentido e estar cultural/social. A condição humana realidade histórica objectiva é uma das preocupações-chave do seu pensamento, um campo problemático fundamental, bem como, um ponto de vista essencial sempre presente.Paixão objectiva, isto é, compreensiva, pela realidade humana no mais fundo da sua espiritualidade, nas raízes da sua condição cultural e poética, eis o cerne do Humanismo Cristão (dum cristianismo mais latente que patente e sempre pensado histórico-culturalmente, isto é, aberto/relativizado) de Manuel Antunes.Pensamento dialogal porque fruto duma atitude filosófica em busca da unidade essencial. Diálogo entre o saber e o viver. Diálogo entre os diversos saberes, entre as ciências e a filosofia e a literatura, a história e a filosofia. As suas obras testemunham o prazer dos cruzamentos do saber como estratégia para uma mais profunda consciência do limite e crítica que é toda e qualquer forma de conhecimento. O humanismo dialogal de Manuel Antunes não é doutrina é, mesmo, o ensinamento filosófico das antidoutrinas (porque, a “filosofia é saber. Um saber geral e gerante; um saber universal e universalizante” – M. Antunes) e, por isso, não deixa seguidores. Mestre da Liberdade e da Dignidade Humana deixa, contudo, em todos nós uma profunda marca de sentido de vida intelectual e moral. Ensinou a muitos não apenas a pensar mas a exigir da vida uma verticalidade ética. A sua obra e vida são exemplo paradigmático de profundidade intelectual e de exigência vivencial”.
Teresa Bernardino, em “O Dia”, de 30.01.1985: “Manuel Antunes ensina, mesmo quando faz história do presente e se distancia dos homens para melhor poder descrevê-los e às suas criações. Ensinar foi a sua meta quando analisou o homem, em particular, ou a sociedade, em geral. Ensinar. “depois retirar-se. Nada mais”. Retirando-se agora sem regresso, ficará ainda mais presente como testemunho de uma época em que os homens não aproveitam os ensinamentos dos Grandes Espíritos, porque os não avaliam com justeza e humildade.”
O jornal “Expresso” a 26.01.1985, referia-se assim, em texto assinado por Francisco Belard: “A fragilidade da sua figura (e, nos últimos anos, da saúde física) deixava recordar intensamente essa solidez do pensamento e do saber que não receia a abertura à verdadedos outros. Actualizando-se sem cessar, com uma preparação intelectual que ia muito além da própria formação académica (filosófica e teológica) adquirida, a atenção que esse humanista do século XX prestava aos mais diversos assuntos fazia do contacto com ele uma constante aprendizagem – porque Manuel Antunes aprendia continuamente e por isso ensinava. Com a autoridade que a competência dá – e só essa – podia falar da datação da Tróia homérica, da Revolução Cultural chinesa, do conceito de utopia ou da obra de Malraux – “semeador de interrogações”, como escreveu, e como ele mesmo soube ser”.
Terminamos esta série de pequenos apontamentos com um texto de Maria de Lurdes Belchior no “Semanário” de 26.01.1985, intitulado “Manuel Antunes – o grande contemporâneo”. “O P. Manuel Antunes morreu – e afirmar que a sua morte nos deixa mais pobres e desamparados neste século contraditório é o que apetece dizer. Mas talvez não seja o que, aqui, em sua memória, se deve escrever.Porque este homem de muitos saberes e rigorosos dizeres, que muito viu porque pensou e muito sentiu porque muito sofreu, ensinou um dia: “Contemporâneo nosso é aquele que, de tão fundo ter descido ao abismo do humano, continua a iluminar-nos com a sua descoberta, a instruir-nos com o seu discurso, a acompanhar-nos com a sua irmandade. A obsolescência é incapaz de o atingir na raiz. Menos ainda a morte… Viva então Manuel Antunes, contemporâneo nosso. O grande contemporâneo”.
Ficou assim desenhado o último retrato do P. Manuel Antunes, sob a pena da emoção que a sua morte precoce causou em todos quantos o conheceram[2].
Tomamos como base para este posfácio (publicado na obra “Portugal, a Europa e a Globalização – Padre Manuel Antunes” – com organização e introdução de José Eduardo Franco) a recolha de textos que os seus companheiros jesuítas fizeram aquando da sua morte e que foi publicado nos boletinsJesuítas- Informações aos Amigos (nn. 109 e 110 de Janeiro e Fevereiro de 1985) que circulavam em âmbito restrito e de acesso reduzido.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.