Outrora educador de Jesus…hoje formador dos seus discípulos!

Num tempo onde cresce silenciosamente a indiferença e o alheamento em relação ao outro, São José permanece uma séria interpelação a cuidar do mistério do outro que nos é confiado. O testemunho dos seminaristas neste ano de São José.

Num tempo onde cresce silenciosamente a indiferença e o alheamento em relação ao outro, São José permanece uma séria interpelação a cuidar do mistério do outro que nos é confiado. O testemunho dos seminaristas neste ano de São José.

Quis Deus que aquele que outrora foi escolhido para cuidar, guardar e educar o Seu Filho, em Nazaré, nos seja hoje apresentado como formador dos Seus discípulos, em Caparide. É assim que olhamos para São José no nosso Seminário! Assim como fez com Jesus, a Quem certamente ajudou a crescer na intimidade com o Pai do Céu, assim faz hoje com cada um dos Seus discípulos, que entram neste Tempo Propedêutico para crescerem na configuração com o Filho de Deus. À semelhança da escola de Nazaré, também este é um tempo de recolhimento interior, na descoberta de Deus e de si próprio, à luz dos Seus desígnios de Amor.

Educa-nos antes de mais pelo seu testemunho de profunda vigilância aos sinais de Deus. À semelhança da  Esposa do Cântico dos cânticos, que dizia “eu dormia, mas o meu coração estava vigilante” (Ct 5,2), São José é o homem atento aos toques de Deus, mesmo quando os seus sentidos exteriores repousam. Numa cultura que nos prende constantemente à exterioridade, e que nos vai alienando com tantas solicitações que nos embriagam os sentidos, importa aprender este sábio recolhimento que nos capacitará a ouvir a voz de Deus, qual Brisa Suave a sussurrar no mais íntimo de nós mesmos. Só um coração que assim se aceita recolher voluntariamente aprenderá a conhecer-se verdadeiramente e a conhecer Aquele que o habita desde sempre.

E porque permanece vigilante à voz de Deus, São José vai discernindo a Sua vontade, entregando-se a ela total e livremente, prestando-lhe o obséquio pleno da inteligência e da vontade e procurando em tudo a sintonia interior entre os desígnios do Pai e a sua liberdade, feita acolhimento sem reserva. Tendo educado Jesus na submissão filial, como terá sido decisivo o Seu testemunho de obediência da fé ao próprio Senhor, que viveu toda a Sua vida sob o signo da obediência! E assim como educou Jesus assim nos forma hoje na obediência, por meio do seu testemunho,  para aprendermos em tudo o fazer o que Deus quer. Nós que tantas vezes somos estimulados a um ideal de felicidade a partir da concretização de sonhos e projetos pessoais, muitas vezes auto-referenciados, somos assim interpelados a encontrar a paz e a alegria no esquecimento de si próprio. Só a entrega da nossa vontade nas mãos de Deus permitirá que Ele, na Sua infinita misericórdia, a purifique, alargue ou converta à dimensão ilimitada dos Seus próprios desígnios de Amor.

Chamado a guardar e cuidar do Menino e de sua mãe, no meio dos acontecimentos mais desconcertantes,  vemos como o faz com discrição e humildade, e no mais eloquente silêncio, mesmo quando nem tudo entende claramente.

Chamado a guardar e cuidar do Menino e de sua mãe, no meio dos acontecimentos mais desconcertantes,  vemos como o faz com discrição e humildade, e no mais eloquente silêncio, mesmo quando nem tudo entende claramente. Quer no anúncio surpreendente do anjo, quer no nascimento desconcertante na gruta de Belém, ou ainda mais na fuga inesperada e repentina para o Egipto por causa da ameaça de Herodes, vemos como José permanece numa atenção constante aos sinais de Deus, sempre disponível para o Seu projeto, deixando-se guiar pela Sua vontade. A forma delicada como foi cuidando de Maria e de Jesus certamente não foi indiferente ao Menino, que assim foi crescendo com testemunho de Amor casto do seu pai na terra. De igual modo, o seu exemplo  eloquente há-de ser para nós, igualmente chamados a sermos “guardadores de mistérios”, escola de cuidado e de atenção aos outros. Num tempo onde vai crescendo silenciosamente a indiferença e o alheamento em relação ao outro, São José permanece para nós uma séria interpelação a cuidar do mistério do outro que nos é confiado, na certeza de que é o Próprio Senhor que somos chamados a cuidar no rosto do irmão.

E tudo isto na mais profunda discrição, pelo que São José educa-nos também por meio do seu profundo silêncio, como certamente também foi moldando o coração kenótico de Jesus. Ele aprende a apagar-se dentro das malhas do plano de Deus, pondo a render os seus dons ao serviço desse mesmo projeto, permanecendo sempre como o suporte da família de Nazaré. Por isso, o Papa Francisco, na recente Carta Apostólica Patris Corde, fala de um pai na sombra, que serve mas recusa servir-se, colocando-se no centro. Quando tantos à nossa volta enaltecem a exposição mediática, São José é sinal deste aniquilamento voluntário, que nos há-de levar a fazer silêncio para que a Palavra possa ressoar, a apagar-nos para que a Luz possa brilhar e a esvaziar-nos para que a Vida possa manifestar-se em nós e por meio de nós.

O retábulo que temos na nossa capela, da autoria de D. João Marcos, serve-nos assim de constante inspiração: a sua mão apoiada na Escritura é desafio a vivermos sustentados pela Palavra; o seu olhar delicado para Maria é interpelação a amarmos a Igreja; a sua outra mão quase escondida a segurar a mão da Virgem Maria é ensinamento a cultivarmos o serviço discreto para o bem da Igreja! E tudo isto para que Cristo, que outrora foi ensinado por José, em Nazaré, possa agora crescer em cada um de nós, para bem da Igreja e glória de Deus Pai.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.