O local que habitamos, as pessoas com as quais nos relacionamos, o ar que respiramos, as distâncias que percorremos, a nossa casa, a igreja, a escola, a família, os amigos, o nosso trabalho, as férias e os simpáticos desconhecidos! Tudo faz parte de um conjunto a que podemos informalmente chamar de ‘o nosso mundo’.
O ‘nosso mundo’ tem o tamanho do alcance dos nossos braços e do nosso coração. Quando temos saudades telefonamos ou vamos visitar alguém , talvez até possamos ir de carro ou transportes visitar alguém da família ou um amigo que não vemos há muito tempo. Precisamos de conselho e vamos falar ao padre mais próximo ou a alguém em cujo discernimento confiamos a nossa intimidade.
Dizemos que as compras são ‘terapêuticas’ e, se sentirmos vontade, podemos ir a uma loja comprar um conforto especial, seja um doce, salgado, tecnologia ou o que vestir. Vamos ao cabeleireiro cortar o cabelo e as unhas!
Precisamos de companhia e combinamos um jantar, vamos ver um filme ao cinema ou bebemos um café. Conversamos longas horas numa esplanada da praia e verificamos que bom é ter amigos!
Estamos doentes e vamos ao médico, à farmácia, ao terapeuta. Vamos ao dentista, às vacinas, até experimentamos algumas medicinas alternativas ou receitas caseiras das nossas avós.
Vamos estudar, trabalhar para ganhar o sustento, cuidamos da família, vamos ao mercado.
E assim nos movemos, dentro do nosso mundo! É mesmo assim e está muito bem! Por vezes saímos do nosso mundo para passear ou fazer férias e assim descansamos o suficiente para voltar ao nosso mundo!
Cada um tem o seu mundo, feito à dimensão dos seus braços e do seu coração.
Existe, no entanto, um grupo de pessoas que não segue esta norma que é o grupo das pessoas com deficiência. Seja qual for a deficiência, a pessoa que a tem vê o seu mundo reduzido relativamente aos seus braços e ao seu coração.
As pessoas com deficiência motora deslocam-se apenas onde a sua cadeira, pirâmides, cama ou muletas o permitem, associado aos transportes que o permitem e estão equipados para tal com espaço disponível e plataforma elevatória. Depois também deslocam-se apenas aos locais onde lhes é permitida a entrada, com portas largas e rampas de acesso.
As pessoas cegas ou surdas deslocam-se geograficamente, se tiverem ajuda, ou no mundo do conhecimento se lhes fornecermos acesso.
As pessoas com deficiência mental deixam-se levar segundo a vontade da família ou dos cuidadores onde estes entenderem ser o melhor ‘local’.
Podemos criar estruturas e mecanismos que dêem acesso, podemos perguntar, chamar, acompanhar e desafiar as pessoas com deficiência a aumentar o seu mundo.
E, nesse momento, vamos descobrir que o efeito destas iniciativas vai aumentar enormemente o mundo de todos!
O mundo das pessoas com deficiência é mais pequeno do que o mundo das pessoas sem deficiência. Infelizmente. Não tem que ser exactamente assim, podemos reduzir esta diferença. Podemos criar estruturas e mecanismos que dêem acesso, podemos perguntar, chamar, acompanhar e desafiar as pessoas com deficiência a aumentar o seu mundo.
E, nesse momento, vamos descobrir que o efeito destas iniciativas vai aumentar enormemente o mundo de todos!
Tentei hoje ir visitar um espaço cultural com os meus filhos. Um deles é deficiente profundo e anda mal. Decidi que o exercício lhe faria bem e não levei a cadeira de rodas. Estacionei no lugar para deficientes, junto à porta de entrada. Esperei pela minha vez na fila para os bilhetes porque já havia uma discussão sobre quem estava primeiro à frente e não me quis impor. Quando chegou a nossa vez a senhora disse que não tinha reparado que uma das pessoas tinha deficiência e que o edifício tinha escadas e não permitia a circulação em cadeira de rodas. Também nos disse que o acesso era muito íngreme e longo e aconselhou-nos por isso a tomar o elevador da saída e fazer a visita em sentido contrário ao regular. Fomos em contracorrente da multidão de turistas.
Quando chegámos a meio do percurso desistimos!
Se pudéssemos ir no sentido da multidão seria realmente impossível. A enorme rampa de acesso era inacessível quer a pé, quer numa cadeira de rodas. Trata-se de um acesso exterior, julgo que haverá solução para este acesso. No interior a multidão poderia ‘empurrar-nos’ a fazer a visita, talvez… não sei. O meu filho que tem deficiência anda mais devagar, sobe escadas lentamente… mas anda.
Quando voltámos ao portão de acesso fui falar com um funcionário que me pediu para escrever uma reclamação – a primeira que fiz na vida. Disse-me que os espaços culturais deviam ser para todos. Concordo.
Fiquei a pensar nos meus amigos que têm cadeiras de rodas eléctricas e que não podem visitar os maravilhosos palácios e castelos que temos no nosso país.
O mundo dos meus amigos e da minha família – e o meu por inerência – hoje ficou mais pequeno. Que pena!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.