O que é feito de ti, bom senso?

Contudo, a sociedade moderna parece ter hipotecado o bom senso a favor de posições polarizadas. Temos o tribalismo digital, onde todos são forçados a "escolher um lado".

Contudo, a sociedade moderna parece ter hipotecado o bom senso a favor de posições polarizadas. Temos o tribalismo digital, onde todos são forçados a "escolher um lado".

Vivemos na era das certezas absolutas, onde cada escolha parece um manifesto, cada  opinião um campo de batalha. Seria trágico, se não fosse irónico, que num mundo tão  obcecado pela expressão individual, tenhamos perdido o que outrora foi a bússola mais confiável para navegar na vida: o bom senso. Sim, esse mesmo. Aquele parente distante da  lógica, aliado fiel da empatia e companheiro da moderação que parece estar em vias de  extinção.

O que é o bom senso, afinal? Não é ciência exata, nem filosofia complexa. É aquela habilidade subtil de considerar o contexto antes de emitir juízos; a arte de pesar os prós e os contras sem precisar de um júri popular no Instagram. É a humildade de saber que, em  situações diferentes, podem caber decisões diferentes. Imagine a ousadia! Decidir sem  consultar a tribo política, o algoritmo ou a hashtag do momento. Um escândalo, não?

Contudo, a sociedade moderna parece ter hipotecado o bom senso a favor de posições polarizadas. Temos o tribalismo digital, onde todos são forçados a “escolher um lado”. Na  política, na empresa, no amor, até no almoço de família, o consenso tornou-se suspeito.  Afinal, se não está contra, está automaticamente a favor – porque, claro, a nuance morreu.

Nas relações humanas, o bom senso seria o grande mediador, aquele que diz: “Talvez esta discussão não precise de um vencedor”. No trabalho, é o bom senso que transforma  “procedimentos” em práticas realmente funcionais. E, na política, seria o bom senso a colocar um travão no espetáculo do populismo – mas quem quer ouvir um discurso sensato, quando pode assistir a um duelo verbal inflamado?

Porém, talvez o mais alarmante seja a forma como esquecemos de valorizar o bom senso enquanto virtude. Falamos de empatia, de resiliência, de assertividade (clássicos dos  manuais de autoajuda), mas e o bom senso? Um parente pobre, relegado ao canto. Porque, sejamos honestos, não há nada de instagramável em ser razoável.

E, no entanto, é precisamente o bom senso que nos liberta do jugo das certezas absolutas. Permite-nos navegar num mundo onde decisões contraditórias podem coexistir sem incoerência. Onde a flexibilidade não é fraqueza, mas sabedoria. Onde podemos ser humanos antes de sermos rótulos.

Talvez seja tempo de trazer o bom senso de volta para a mesa. Não com pompa, mas com o seu charme discreto, típico de quem nunca precisou de grandes entradas para fazer a diferença, porque no fundo, o bom senso não grita, apenas age – e, muitas vezes, salva o  dia.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.