O Pastor Ferido: uma luta pela transformação

Esta semana, a Brotéria sugere o último livro do jornalista britânico Austen Ivereigh, que desvenda alguns dos maiores desafios do pontificado de Francisco.

Esta semana, a Brotéria sugere o último livro do jornalista britânico Austen Ivereigh, que desvenda alguns dos maiores desafios do pontificado de Francisco.

Em continuação com a obra Francisco, O Grande Reformador, cuja versão portuguesa data de 2015, a editora Vogais publica agora, cinco anos depois, o mais recente livro do jornalista Austen Ivereigh sobre o pontificado de Francisco: O Pastor Ferido. O Papa Francisco e a Sua Luta para Converter a Igreja Católica.

Ivereigh adota um estilo jornalístico e tem o mérito de se documentar bem. Os eventos e as decisões mais marcantes do atual pontificado são descritos em estreita ligação com a sua receção, muitas vezes polémica. Nesse sentido, e aqui talvez já não como jornalista, Ivereigh toma claramente partido por Francisco ou, pelo menos, por uma certa leitura do atual pontificado. É, aliás, o próprio Papa que o assume ao mencionar o principal defeito de Ivereigh: o de ser demasiado “benévolo” para com ele (p. 10).

Francisco é-nos apresentado como um filho do Vaticano II que sente a necessidade de reformar uma Igreja cheia de vícios que a afastam do autêntico Espírito de Cristo. Por um lado, a reforma está intimamente ligada à questão dos abusos que minam a credibilidade da Igreja. Por outro, prende-se também com a tentativa de mostrar o rosto misericordioso de Deus num mundo em constante e rápida mudança. É assim que se lê o atual pontificado como um enorme passo no sentido de uma Igreja mais acolhedora e atenta aos problemas de hoje: desde os migrantes à ecologia.

Um livro imprescindível para conhecer, não só o pontificado de Francisco, mas o estado da Igreja contemporânea.

Ao aprofundar o primeiro livro, Francisco, O Grande Reformador, Ivereigh dá especial enfâse à receção da Amoris laetitia nas diversas dioceses de uma Igreja presente em todos os cantos do globo. A este respeito, é de salientar a referência à carta pastoral da Arquidiocese de Braga, “Construir a casa sobre a rocha”, como um exemplo de implementação da Encíclica papal. Depois de entrevistar os padres Miguel Almeida, SJ e Bruno Nobre, SJ, membros do grupo ad hoc que ali acompanham casais recasados, Ivereigh sai convencido que a abertura de Francisco a esse grupo de pessoas, muitas vezes “nas margens da Igreja”, lhes tem revigorado um novo sentimento de pertença (p. 388-389, nota 61). É interessante perceber, na descrição de Ivereigh, como o Papa governa a partir de uma prática de discernimento que nos põe em caminho e que vai muito para além das meras politiquices que também habitam o Vaticano.

Se o termo “clericalismo” é recorrente, é porque a reforma da Igreja passa por nos curar dessa doença espiritual. Trata-se de converter a figura do “padre-pavão”, fechado numa “mundanidade espiritual”. O Papa herdou esta expressão de Henri de Lubac, que a usava para designar uma Igreja fechada “sobre si mesma”, capaz de viver “das pessoas” em vez de existir “para elas” (p. 88).  Clericalismo é a perversão de julgar que os “clérigos são superiores aos não clérigos” e que a tarefa destes últimos se reduz a “rezar, pagar e obedecer” (p. 141). Parece ser através da sinodalidade que o Papa quer combater a mentalidade clericalista (p. 122). E aí aponta-se uma linha para os desenvolvimentos futuros da Igreja.

Concorde-se ou não com Ivereigh, certo é que esta obra nos dá a conhecer os meandros do Vaticano, tocando nas feridas que hoje desfiguram a nossa Igreja. Um livro imprescindível para conhecer, não só o pontificado de Francisco, mas o estado da Igreja contemporânea.

 

O Pastor Ferido. O Papa Francisco e a sua luta para converter a Igreja Católica
Austen Ivereigh,
Trad. Lufada de Letras (Amadora: Vogais, 2020).

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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