O pão nosso de cada dia. Este trecho da oração do Pai nosso ganhou um significado especial para Abel nesta peregrinação entre Loiola e Manresa. Ao caminhar 26 dias em pobreza total, sem dinheiro, comida, nem sítio para dormir, apenas vivendo daquilo que pedia e do que os que com ele se cruzavam lhe davam, o peregrino jesuíta sentiu-se completamente entregue à Providência. E, apesar de algumas peripécias, garante que nunca lhe faltou nada. “Todos os dias comi, nunca passei fome”, afirma. E bem ou mal instalado, encontrou sempre um local para passar a noite.
Mesmo no dia em que pensou que ia ficar sem alimento, Deus encarregou-se de lhe fazer chegar algo para comer. Ia a caminho de Manresa, quase na parte final da peregrinação, e já sentia um aperto no estômago, quando viu um saco de pão torrado colocado em cima de uma pedra. Ali, assim, do nada. Pegou nele, comeu-o, e numa oração de ação de graças, reconheceu: “Foi como se Deus me tivesse dito: ‘bem sei do que tu precisas'”.
Ao longo desta caminhada de 600 quilómetros, num trajeto físico mas também interior, o padre jesuíta reconhece que teve dificuldades em manter um ritmo exaustivo e regular de oração. “Tentei rezar alguns textos e fazer os exercícios espirituais. Mas por vezes o cansaço era tanto que se tornava impossível”. Contudo o sacerdote jesuíta explica que teve oportunidade de fazer uma oração diferente da habitual. “Aprendi a ver Deus na criação”, ali tão presente nos campos do vale do Ebro, um dos mais férteis do mundo, nos milhares de hectares de trigo, de árvores de fruto e de vinha que iam compondo a paisagem. “Vi a providência de Deus a trabalhar, 24 sobre 24 horas, como se Deus me dissesse: ‘o pão que vais comer amanhã já eu to estou a preparar hoje, pois quero dar-te o pão nosso a cada dia'”.
Tal como o cego de nascença que, no Evangelho de São João, vai à piscina de Siloé lavar-se e começa a ver, também o P. Abel Bandeira, padre já há 20 anos, sentiu que este caminho lhe permitiu começar a olhar as coisas de forma diferente. “Eu fui, lavei-me e fiquei a ver”, disse o cego depois de ter feito o que Jesus lhe dissera.“Assim se passou comigo. Comecei a ver coisas novas, a providência de Deus. Fiquei com mais fé”, afirma Abel, garantindo que esta confiança tornou-o até uma pessoa menos ansiosa e mais confiante.
E eu, consigo reconhecer e agradecer o pão que me é dado a cada dia?
Nos Passos de Inácio IV
Nos Passos de Inácio VI
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.