O Mapeador de Ausências: o regresso a um passado longínquo

A Brotéria sugere o mais recente livro do escritor moçambicano Mia Couto; a história de Diogo Santiago, um professor universitário que, de volta à sua terra natal, inicia uma viagem inesperada em torno da sua infância e juventude.

A Brotéria sugere o mais recente livro do escritor moçambicano Mia Couto; a história de Diogo Santiago, um professor universitário que, de volta à sua terra natal, inicia uma viagem inesperada em torno da sua infância e juventude.

No Maputo, na avenida Kim-il-Sung, onde eu moro, vive, palpitante, a Fundação Fernando Leite Couto, o jornalista, o poeta, o herói. Homenagem de seu filho António Emílio (Mia Couto!) e família. É um Templo à Beleza do Humanismo e ao Humanismo da Beleza. Neste romance, “O Mapeador de ausências”, da mais profunda maturidade de Mia Couto, Diogo Santiago é ele, o autor e narrador, e Adriano Santiago é o seu pai Fernando.

Já professor universitário, já celebridade no Maputo, em Moçambique, e no mundo, em 2019, mais de 40 anos depois, Diogo tem de regressar à Beira, à pátria da sua infância e juventude, para receber uma grandiosa homenagem que lá lhe está preparada. O «homem tímido e recatado vítima de homenagem pública». (p. 16) Voltava ao seu berço, só para os dias da homenagem, e acabou por ficar por lá, entre Beira, Inhaminga e Búzi, até vésperas do ciclone Idai, a desenterrar e a ressuscitar o seu passado e o de seu pai e família, nuns «papéis» muito variados e dispersos, como numa página histórica esfarrapada.

Durante as celebrações daquela homenagem, apareceu-lhe Liana Campos, a tentar seduzi-lo. E ofereceu-lhe os tais «papéis», um montão de documentos, que ela herdou do seu avô Óscar Campos, o famoso Inspetor da PIDE. Neles se conta, entre tantos outros factos do maior interesse histórico, a aventura de Adriano Santiago, aquando dos medonhos massacres de Inhaminga, nos anos setenta. Revela Diogo a Liana: «Seus papéis vão fazer parte do meu próximo livro» (p.23); «vim em busca do meu passado, estou a escrever um livro» (p.95).

O centro da ação é Inhaminga, com o seu paredão dos fuzilamentos e as incontáveis vítimas dos massacres da malvada PIDE e da bárbara tropa colonial. Temos aqui uma grandiosa homenagem de Diogo Santiago (Mia Couto) ao seu «pequeno» pai Adriano (Fernando Leite Couto).

Romance é ficção, e ficção é fingir. Mas aqui a verdade não vem fingida, mas «fulgida» e refulgida, fulgente e refulgente. Uma biografia do pai, poeta e humanista, poeticamente apresentada pelo filho? Mais que biografia, digamos «miografia». E quem será, afinal, o Mapeador, e de quem serão as ausências? Neste livro, tudo brilha, como aspetos da maturidade rica e enriquecedora desse literato genial: Mia Couto. Equilíbrio, dosagem, capacidade de surpresa, arte consumada, discrição, humanismo. Qualidades, de resto, já presentes, na vasta obra anterior de Mia.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


Brotéria Logo

Sugestão Cultural Brotéria

Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

Conheça melhor a Brotéria