O Livro do  Deslembramento: «a guerra afinal faz barulho»

Para esta semana, a Brotéria traz-nos o último romance do escritor Ondjaki; uma história da guerra civil em Angola, contada por uma criança.

Para esta semana, a Brotéria traz-nos o último romance do escritor Ondjaki; uma história da guerra civil em Angola, contada por uma criança.

O Livro do Deslembramento é o romance autoficcional que o escritor angolano Ondjaki publica no ano em que celebra vinte anos literários. Este livro marca o regresso do autor às memórias de infância – numa altura de paz entre os acordos de Bicesse e o reacender da guerra civil, lê-se na sinopse.

O seu registo coloquial, assim como as histórias encadeadas de um quotidiano, aparentemente banal, que nos chegam através do olhar duma criança (Ndalu) sugere que se possa tratar de um livro infanto-juvenil. Mas não é. Este romance é uma constante negociação entre o olhar falso do narrador – dificilmente uma criança conseguiria captar com tanta verosimilhança as idiossincrasias do mundo dos “camaradas” adultos – e o leitor, que se vai deixando levar pelas perspicazes e cómicas observações de Ndalu.

Para o narrador o grande erro dos adultos é pensarem que «toda a gente tem que lembrar a mesma coisa ou de nem deixarem que cada um (…) possa lembrar as coisas mesmo já a contar com as lembranças dos outros» (p.171). É nesta premissa que o leitor é convidado a sentar-se à mesa, na qual há sempre espaço para mais um, porque «a pessoa comer sozinha, é uma coisa; a pessoa comer com mais pessoas, é outra coisa: melhor» (p.25), e a lembrar-se da ansiedade da primeira ida à escola, do primeiro salto da prancha, da curiosidade de conhecer a casa dos vizinhos, da inocência de achar que os poetas andam a ouvir corações com um «estereoscópio» igual ao que o Dr. Osório usa para auscultar os pacientes. Este é um livro que será certamente para lembrar. Tudo «começa num bar pequeno, ali no Makusulo, onde sempre aos sábados o tio Chico ia buscar gelo» (p.11). e acaba com a conclusão de que «a guerra afinal faz barulho» (p.271).

Ano de Edição –  2020
Número Páginas – 232
Editora / CAMINHO

Fotografia de  Elza fiúzaABr – 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura – Wikicommons

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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