1. Como mel para a boca
A cruz de Jesus Cristo tornou-se um símbolo central no mundo inteiro e muitos desportistas decidiram imprimi-la na sua carne:
- uma grande cruz nas costas, no caso do piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton.
- uma imagem de Cristo sentado sobre a cruz antes da crucifixão no costado esquerdo, no caso de David Beckham.
2. Um texto bíblico
Nestes quatro domingos antes da festa da Páscoa, propomos-vos um pequeno itinerário através de quatro dos passos da Paixão. Esta semana contemplamos a cena da crucifixão.
Levaram-no, então, para o crucificar. Para lhe levar a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. E conduziram-no ao lugar do Gólgota, que quer dizer “lugar do Crânio”. Queriam dar-lhe vinho misturado com mirra, mas Ele não quis beber. Depois, crucificaram-no e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um. Eram umas nove horas da manhã, quando o crucificaram. Na inscrição com a condenação, lia-se: “O rei dos judeus”. Com Ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita e o outro à sua esquerda. Deste modo, cumpriu-se a passagem da Escritura que diz: Foi contado entre os malfeitores.
Os que passavam injuriavam-no e, abanando a cabeça, diziam:
– “Olha o que destrói o templo e o reconstrói em três dias! Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!”
Da mesma forma, os sumos sacerdotes e os doutores da Lei troçavam dele entre si:
– “Salvou os outros, mas não pode salvar-se a si mesmo! O Messias, o Rei de Israel! Desça agora da cruz para nós vermos e acreditarmos!”
Até os que estavam crucificados com Ele o injuriavam.
Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz:
– “Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
Ao ouvi-lo, alguns que estavam ali disseram:
– “Está a chamar por Elias!”
Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo:
– “Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali.”
Mas Jesus, com um grito forte, expirou.
Evangelho segundo São Marcos, 15,20b-37
3. O esclarecimento
Para compreender a especificidade da leitura cristã, a comparação entre o Corão e o Novo Testamento é bastante útil. Na sura IV, o Corão relata a crucificação de Jesus de uma forma significativamente diferente daquela a que a tradição cristã nos habituou. Aí, Jesus é crucificado apenas “em aparência”.
O Corão distancia-se assim do texto do Novo Testamento em pelo menos dois aspetos:
- Jesus não é Deus, mas (apenas) um profeta (um “simples” homem de Deus)
- Jesus não foi (realmente) crucificado, porque um (verdadeiro) homem de Deus nunca sofreria uma tal degradação, de acordo com o pensamento islâmico.
O Novo Testamento, pelo contrário, mostra que a verdadeira omnipotência de Deus se manifesta no seu “abaixamento” voluntário na cruz. Para que o homem possa aceder à comunhão perfeita com Ele, Deus aceita experimentar a angústia da morte. Uma tal leitura da Paixão é específica do cristianismo. Nenhuma outra religião concebe semelhante “abaixamento” voluntário de Deus. Um “abaixamento” que ressoa como um grito de amor.
4. E ainda uma palavra final…
Foi precisamente este “abaixamento” de Deus que Charles Péguy quis exaltar num célebre poema:
As armas de Jesus são essa penúria,
E essa carne expostas à intempérie,
E os cães devoradores e a matilha boquiaberta;
As armas de Jesus são a cruz de Deus,
Ser um vagabundo que se deita sem fogo e sem lugar,
E as três cruzes levantadas e a sua ao meio.
As armas de Jesus são essa pilhagem
Do seu pobre rebanho, essa lotaria
Do seu pobre enxoval às mãos dum soldado;
As armas de Jesus são essa frágil cana,
E o sangue que corre do seu lado como um rio,
E o antigo lictor e o antigo feixe;
As armas de Jesus são esse escárnio
Aos pés da cruz, são esse zombar
Aos pés da cruz e a brusquidão
Do algoz, da tropa e do governo,
São o frio do sepulcro e o enterro,
As armas de Jesus são o desarmamento,
A injúria e a afronta, eis o seu engenho,
A cinza e as pedras, eis o seu minifúndio
E os seus aposentos e o seu ducado;
As armas de Jesus são o tenro arbusto
Entrançado sobre a sua bela fronte como uma frágil rede,
Selando a sua realeza com um selo de paródia;
Os discípulos covardes, eis a sua confraria,
Pedro e o canto do galo, eis a sua senhoria,
Eis a sua tenência e capitania.
Charles Péguy, Oitavo dia de La Tapisserie de sainte Geneviève et de Jeanne d’Arc, 20 de novembro de 1912
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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