O beirão que traduziu Confúcio

O jesuíta Joaquim Guerra, o maior sinólogo português, é uma das figuras ilustres que Leonídio Paulo Ferreira destaca no seu recente livro "Encontros e encontrões de Portugal no mundo". Aqui fica uma breve resenha da sua vida.

O jesuíta Joaquim Guerra, o maior sinólogo português, é uma das figuras ilustres que Leonídio Paulo Ferreira destaca no seu recente livro "Encontros e encontrões de Portugal no mundo". Aqui fica uma breve resenha da sua vida.

Joaquim Guerra foi o maior sinólogo português. Jesuíta, dedicou seis décadas da sua vida a Macau e à China. Não só traduziu os ‘Analectos de Confúcio’, como elaborou um sistema de romanização do chinês para o português, que serve de alternativa ao clássico Wade-Gilles e ao moderno Pinyin. E o mais surpreendente é que foi um homem do século XX, não dos séculos XVI e XVII, quando a Companhia de Jesus era a mais sólida dos aliados do Império Português, sobretudo nas terras da Índia, da China e do Japão. Ouvi falar do padre Guerra primeiro como ilustre filho de Lavacolhos, terra beirã que conheço por ligação familiar, e depois como antigo professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) de Lisboa, onde estudei.

E a sua vida é realmente admirável, e não apenas pela produção intelectual. Nascido em 1908, ainda jovem deixou Lavacolhos, aldeia do concelho do Fundão, para estudar em Espanha. Entrou na Companhia de Jesus em Oya, na Galiza, e chega a Macau em 1933, com 25 anos. Depois de dois anos a ensinar filosofia no seminário de São José aventura-se para lá das Portas do Cerco e é já em Xangai que é ordenado padre. A sua missão é alfabetizar os chineses, que prossegue apesar da invasão japonesa de 1937 e da guerra civil entre comunistas e nacionalistas entre 1945 e 1949.

O padre Guerra é preso pelas tropas de Mao Tsé-tung e chega a ser condenado à morte por apedrejamento, como conta num livro que publicará em 1963. Expulso da República Popular da China em 1952, fixa-se em Macau até 1959. Na década seguinte, passa a ser professor no ISCSPU, antigo nome do ISCSP então escola especializada em formar quadros para o Ultramar. Em Lisboa, leciona mandarim e cantonês, ao mesmo tempo que vai traduzindo Confúcio e também pelo menos uma obra de Lao Tsé, o fundador do taoísmo. Em Macau, que continua a visitar e onde é venerado até hoje, publica em 1981 o seu dicionário de Chinês-Português.

Imparável, está em Toronto para umas palestras sobre a China em 1993 quando é atropelado. Hospitalizado recupera o suficiente para ser transferido do Canadá para Portugal, mas morre na véspera de Natal, em Lisboa.

Dele, que costumava afirmar que “tudo o que é da China chega-me ao fundo da alma”, disse um dia monsenhor Manuel Teixeira, grande figura da Igreja Católica em Macau, ser “o maior sinólogo português”. Em Lavacolhos, este que é o mais eminente dos seus filhos, tem uma lápide que o homenageia, ali colocada em 2008, quando se assinalou o centenário do padre Guerra. Na aldeia, vivem ainda sobrinhos do corajoso e sábio jesuíta. E o meu filho Daniel é, por parte da mãe, um primo já muito, muito afastado.

Fotografias: Arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus

O P. Joaquim dedicou grande parte do seu tempo de missão pastoral à China e Macau.
O P. Joaquim dedicou grande parte do seu tempo de missão pastoral à China e Macau.

 

*Este texto faz parte do livro ‘Encontros e encontrões de Portugal no mundo’, recém-editado pela Desassossego, da autoria de Leonídio Paulo Ferreira. 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.