Morreu o P. Adolfo Nicolás sj

Foi o trigésimo Geral da Companhia de Jesus e o antecessor do atual, P. Arturo Sosa, sj. Desejava que os jesuítas cheirassem a ovelha, a biblioteca e a futuro e se considerassem, juntamente com outros, colaboradores da missão de Cristo.

Foi o trigésimo Geral da Companhia de Jesus e o antecessor do atual, P. Arturo Sosa, sj. Desejava que os jesuítas cheirassem a ovelha, a biblioteca e a futuro e se considerassem, juntamente com outros, colaboradores da missão de Cristo.

Morreu hoje, aos 84 anos, em Tóquio, no Japão, o P. Adolfo Nicolás, sj, antigo Superior Geral dos Jesuítas. O anúncio foi feito esta manhã pelo atual Geral, P. Arturo Sosa, que recorda o antigo responsável pela Companhia de Jesus como um “homem sábio, humilde e livre, dedicado ao serviço total e generoso”.

Uma vida que convida à profundidade

O P. Adolfo Nicolás sj, nasceu a 29 de abril de 1936, em Villamuriel de Cerrato, Palência, Espanha. Em 1953, com 17 anos, entrou no noviciado da Companhia de Jesus, em Aranjuez, uma pequena vila perto de Madrid. Estudou na Universidade de Alcalá até 1960, data em que viajou para o Japão. Familiarizou-se com a língua e culturas japonesas e quatro anos mais tarde entrou na Universidade Sophia, em Tóquio, onde estudou teologia. Foi ordenado sacerdote no dia 17 de março de 1967.

Nos três anos que se seguiram (1968 – 1971) estudou na Universidade Gregoriana, em Roma, onde obteve o doutoramento em teologia. Posteriormente, regressou ao Japão e lecionou teologia sistemática, na sua alma mater da Universidade Sophia, durante 30 anos.

De 1978 a 1984 foi diretor do Instituto Pastoral do Leste Asiático na Universidade Ateneu de Manila, na cidade de Quezon, nas Filipinas. Em 1991 regressou a Tóquio e foi nomeado Provincial do Japão, permanecendo no cargo até 1999. Depois, dedicou-se ao trabalho pastoral entre imigrantes pobres em Tóquio, onde ajudou milhares de filipinos e outros asiáticos imigrantes, fazendo uma experiência de grande proximidade com o sofrimento.

Em 2004, o P. Adolfo Nicolás sj, regressou às Filipinas, após ter sido nomeado Presidente da Conferência dos Provinciais do Sudeste Asiático e Oceânia.

No dia 2 de fevereiro de 2006, o Superior Geral da Companhia de Jesus, P. Peter-Hans Kolvenbach sj, , convocou a 35.ª Congregação Geral, para decidir sobre o governo da Companhia, ao seu mais alto nível. Depois de 25 anos de serviço como Superior Geral, o P. Kolvenbach viu uma oportunidade de promessa e renovação sob a liderança de um novo Superior Geral e pediu a resignação ao cargo. A 14 de janeiro, esse pedido foi aceite.

No dia 19 de janeiro de 2008, com 71 anos, o P. Adolfo Nicolás foi eleito o trigésimo Superior Geral da Companhia de Jesus. Ainda nesse ano, esteve em Portugal, de 17 a 19 de agosto, para participar na Assembleia Mundial da Comunidade de Vida Cristã, aproveitando a ocasião para uma breve visita aos jesuítas portugueses, marcada pelo seu sentido pastoral, pela proximidade, atenção e disponibilidade. Passados seis anos, de 1 a 4 de junho de 2014, fez a sua segunda visita à Província Portuguesa, passando por Lisboa, Coimbra, Porto e Braga.

No final de 2014, convocou a 36.ª Congregação Geral, iniciada a 2 de outubro de 2016, em que foi aceite o seu pedido de renúncia ao cargo de Geral da Companhia de Jesus. Terminado o seu tempo nesta missão, o P. Nicolás regressou ao Japão, onde veio a falecer.

Página web em memória do P. Adolfo Nicolás, sj (em espanhol).

 

No dia 19 de janeiro de 2008, com 71 anos, o P. Adolfo Nicolás, sj foi eleito o trigésimo Superior Geral da Companhia de Jesus.

Testemunhos de jesuítas que contactaram com o P. Adolfo Nicolás, sj

 

P. Arturo Sosa, sj (Da carta escrita pelo atual Geral da Companhia de Jesus)

O P. Adolfo Nicolás foi um homem sábio, humilde e livre; dedicado ao serviço total e generoso; comovido por aqueles que sofrem no mundo, mas ao mesmo tempo transbordando com a esperança que a sua fé no Senhor Ressuscitado lhe incutia; excelente amigo, daqueles que amam o riso e fazem rir os outros; um homem do Evangelho. É uma bênção tê-lo conhecido.

Enquanto rezamos pela sua felicidade eterna com o Senhor, que serviu tão bem, pedimos que também possamos continuar a servir a missão como o fez, com bondade, com generosidade e com alegria.

Talvez a melhor forma de recordar o P. Adolfo Nicolás seja com uma breve oração, escrita pela sua própria mão, depois dos Exercícios Espirituais de oito dias que realizou em 2011 com o seu Conselho Geral:

 

Senhor Jesus,

Que fraquezas viste em nós que te levaram a
chamar-nos para colaborar com a tua missão, apesar de tudo?

Agradecemos-te por nos teres chamado, e pedimos-te que não te esqueças
da promessa que nos fizeste de estar connosco até ao fim dos tempos.

Muitas vezes somos ultrapassados pelo sentimento de
termos trabalhado em vão durante toda a noite,
talvez esquecendo-nos que estás connosco.
Pedimos-te que te faças presente nas nossas vidas e
no nosso trabalho, hoje, amanhã e no futuro que
ainda está por vir. Enche com o teu amor a vida que pomos ao teu serviço.

Tira do nosso coração o egoísmo de pensar no
“nosso” e no “meu” que excluem sem compaixão, nem alegria.

Ilumina as nossas mentes e os nossos corações, e
faz-nos sorrir quando as coisas não correm como gostaríamos.

Faz que, no final de cada um dos nossos dias, nos
sintamos mais unidos a ti e que possamos
reconhecer e descobrir, à nossa volta, mais alegria e mais esperança.

Tudo isto te pedimos partindo da nossa realidade.
Somos homens fracos e pecadores, mas somos teus amigos.

Ámen

Carta completa em espanhol

 

P. José Frazão Correia, sj (Provincial dos jesuítas portugueses)

Muito grata é a memória pessoal que me deixa o P. Adolfo Nicolás, por quem fui nomeado Provincial, em 2014, e com quem fiz o curso para novos provinciais, em 2015. Enquanto Provincial, ao longo de três anos, tive vários colóquios pessoais e troquei com ele cerca de 100 cartas. Presenciei a sua despedida na Congregação Geral 36, em novembro de 2016, para regressar ao Oriente, tal como já tinha testemunhado o início da sua missão como Geral, na eucaristia celebrada na Igreja de Jesus, no dia 20 de janeiro de 2008, em Roma, onde me encontrava a fazer o doutoramento Tenho igualmente muito presente a sua visita à nossa Província, em 2014 – já tinha estado no nosso país, em 2008, por ocasião da Assembleia Mundial da CVX, que teve lugar em Fátima. Entre tantas outras coisas, recordo-me da imagem da girafa, que evocou em várias ocasiões. Por ter um coração grande e um pescoço alto, apresentava-a como figura inspiradora da força e do olhar amplo que nos convinha desenvolver.

Dizia que os jesuítas deviam cheirar a ovelha (…), a biblioteca (…) e a futuro. – P. José Frazão Correia, sj.

Recordo especialmente de como falava da Europa e dos Estados Unidos como tradição centrada na questão da verdade; da África e da América do Sul como lugares marcados pela força da vida – pela amizade, pela família, pelos filhos; da Ásia como sabedoria, como caminho. E como o caminho, a verdade e a vida precisariam de se implicar e de se enriquecer mutuamente. Porém, para o P. Nicolás, a Ásia, e, dentro desta, o Japão, precisamente como caminho, tinha um encanto particular e algo de muito próprio a oferecer para a construção de uma “humanidade musical” – palavras suas –, sensível à beleza, à bondade, ao sofrimento dos demais, à compaixão.

Dos jesuítas, a partir de uma expressão usada pelo Papa Francisco e que ficou célebre, disse que precisariam de cheirar a três coisas: a ovelha, cheirando àquilo que vivem as pessoas e a realidade às quais são enviados; a biblioteca, porque é seu dever procurar estudar e refletir em profundidade; a futuro, pela abertura radical à surpresa de Deus que os deve assinalar. Com este odor, o jesuíta de pensamento incompleto e aberto deveria distinguir-se pela audácia, pela imaginação e pela coragem.

Recordarei o P. Nicolás como companheiro bondoso e bem-humorado, sorridente e autêntico, simples e profundo, livre e aberto. Conduziu a Companhia Universal com uma certa leveza grave ou gravidade leve, pela qual lhe ficamos muito gratos.

 

P. Nuno Gonçalves, sj (Reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma)

À semelhança do que acontecera com a eleição do P. Pedro Arrupe e do P. Peter-Hans Kolvenbach, a 35.ª Congregação Geral, ao eleger o P. Adolfo Nicolás, voltou a escolher um jesuíta europeu com uma vasta experiência missionária. De facto, o P. Nicolás partiu muito novo para o Japão e, à experiência deste país, juntou também a das Filipinas.

Creio que os eleitores da 35.ª Congregação Geral reconheceram no P. Nicolás uma figura em que se poderiam rever jesuítas provenientes de várias culturas e tradições, o que é particularmente importante numa época em que se diversifica cada vez mais a proveniência geográfica dos jesuítas e cresce o número dos que provêm da Ásia e do Pacífico. Por isso, no momento da eleição do P. Nicolás, muitos podiam dizer “é um dos nossos”, mesmo sabendo que, ao assumir o cargo de Superior Geral da Companhia de Jesus, passava a ser de todos.

Com a sua proximidade, inteligência e profundidade, o P. Nicolás conquistou facilmente consensos e a simpatia de jesuítas, de leigos e de muitos outros religiosos

Com a sua proximidade, inteligência e profundidade, o P. Nicolás conquistou facilmente consensos e a simpatia de jesuítas, de leigos e de muitos outros religiosos. Tive ocasião de o testemunhar de perto quando, em agosto de 2008, veio a Portugal para participar na Assembleia Mundial da CVX que se realizava em Fátima. Tal como planeado, no final da Assembleia, o P. Nicolás prolongou um pouco a sua estadia para poder estar com os jesuítas portugueses. Assim, de Fátima, levei-o à casa do Baleal, onde se encontrou com os jesuítas em formação. No dia seguinte, foi a vez do encontro com outros jesuítas e leigos, numa eucaristia na igreja do Colégio de S. João de Brito, seguida de um almoço de confraternização. Mesmo tratando-se de uma visita muito breve, a presença do P. Nicolás foi muito apreciada e sentida por todos.

Os primeiros anos do generalato do P. Nicolás coincidiram com os meus últimos três anos como Provincial e por isso, tive ocasião de o encontrar várias vezes e, sobretudo, de trocar com ele muita correspondência, como é característico do governo da Companhia de Jesus. E foi também o P. Nicolás que, depois de me ter falado dessa possibilidade uns meses antes, me escreveu uma breve carta, no final de junho de 2011, dizendo-me que, no outono seguinte, me queria em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana.  Continuo, por isso, na mesma missão que o P. Nicolás me confiou, dando-me a possibilidade de estar ao serviço de jovens sacerdotes, seminaristas, religiosos e leigos que, uma vez terminados os estudos e voltando aos seus países, assumirão lugares de responsabilidades um pouco por todo o mundo.

 

P. Manuel Morujão, sj

Destaco a personalidade do P. Adolfo Nicolás como «internacional e multicultural (…) Dominava diversas línguas e foi um homem praticante do diálogo, em palavras e obras.

 

P. Hermínio Rico, sj 

 

Encontrei o P. Nicolás pela primeira em Fátima, em agosto de 2008, na Assembleia Mundial da CVX. Por causa da CVX, voltei a conviver com ele em Beirute em 2013 e, mais tarde, em Roma. Ele gostava de visitar o secretariado mundial da CVX, junto à Cúria Geral. Participava no nosso «coffee break» a meio da manhã e, com toda a simplicidade, dava largas ao seu gosto de contar anedotas e recordar histórias do seu Japão. As visitas eram um sinal concreto da importância que dava ao tema da colaboração com os leigos, uma das grandes ênfases do seu generalato.

Sonhou que em tudo se procurasse uma cada vez maior integração das dimensões transversais do serviço da fé, da promoção da justiça e da colaboração

 

A unidade de uma única missão comum que todos somos chamados a servir, a Missio Dei, como ele gostava de dizer, foi uma das linhas de força da sua liderança. Sonhou que em tudo se procurasse uma cada vez maior integração das dimensões transversais do serviço da fé, da promoção da justiça e da colaboração. O caminho para essa integração via-o na profundidade, profundidade simultaneamente espiritual e intelectual – o desafio que sempre lançava. Era um homem simples e discreto, próximo de todos, que não gostava de elaborar grandes textos. Falava normalmente a partir de algumas notas escritas, mas deixava uma marca de profunda sabedoria, revelação de uma experiência de vida atentamente refletida e rezada. No seu discorrer, sobressaía sempre uma certa síntese das tradições ocidental e oriental, que o percurso da sua vida lhe pediu e ensinou.

Um ano e meio depois de me despedir dele em Roma, tive o privilégio de o encontrar em Tóquio, numa longa conversa no seu quarto da enfermaria. Perguntou-me sobre a Cúria e falámos da Companhia, da CVX, de desafios para ambas, da sua vida e da minha. No fim, ajoelhei-me ao lado da sua cadeira de rodas e pedi-lhe que me desse a bênção, que ele deu com toda a seriedade e unção. Uma das experiências mais comoventes que vivi na Companhia e que guardarei para sempre.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.