Missão (im)possível

Às vezes temos a ideia de que as novas gerações são feitas de ‘meninos com mãos de Lisboa’. Mas será verdade? Neste especial, o P. Nuno Amador ajuda-nos a compreender o impacto e a importância da Missão País, uma experiência que mobiliza milhares de estudantes universitários.

Às vezes temos a ideia de que as novas gerações são feitas de ‘meninos com mãos de Lisboa’. Mas será verdade? Neste especial, o P. Nuno Amador ajuda-nos a compreender o impacto e a importância da Missão País, uma experiência que mobiliza milhares de estudantes universitários.

Quatro mil acessos num minuto! A sério? Será possível? Há assim tanta gente a querer ir à Missão País? Mas está tudo ‘sem travões’? Depois de um semestre intenso e de uma época de exames cansativa não seria melhor um bom tempo de descanso? Uns dias de férias para jiboiar no sofá, para fazer o que apetecesse, ou simplesmente fazer nada, se for isso que apetece…

Às vezes temos a ideia de que as novas gerações são feitas de ‘meninos com mãos de Lisboa’ onde só os polegares são operativos, ‘lontrinhas de sofá’ agarradas a comandos com cursos de mudar canais, ou ainda um rebanho de gente sem sentido para a vida, sem ideais, desmotivada e desinteressada, antecipadamente preocupada com o emprego que não vai ter e com as dificuldades que vai encontrar: uma geração a resgatar. Mas será verdade?

O que leva cerca de 3000 universitários, de 44 faculdades diferentes a desejar partir para 52 terras de Portugal para uma semana de missão?

Para a maioria será uma semana a dormir pouco e no chão, sem as comodidades habituais, às vezes com banhos de água fria, e a comer ‘massa com cenas’ pelo menos duas vezes na mesma semana. Isto na melhor das hipóteses. Ele há coisas mais apelativas. Ou talvez não!

É que quando se toca o essencial, tudo o resto se torna relativo, e estes universitários descobriram e desejam um verdadeiro tesouro.

Cada semana de Missão é um tempo para amar e servir, para rezar o que se faz e pensar na forma como se vive. O porta-a-porta, o trabalho nos lares com os mais velhos e nas creches e escolas com os mais novos, o cuidado dos que têm limitações e são frágeis, a preparação de um teatro onde o mais importante não é a fama que se terá, mas a alegria que se gera em quem ouve e vê; a experiência de Deus, da interioridade, da intimidade, da amizade verdadeira, da partilha no essencial; o desprendimento, o serviço desinteressado, a alegria de conviver, não são convites de posse, de fama ou de poder, mas de transformação, unidade, compromisso, amor ao próximo, concreto e operativo.

E nós achamos estranho porque confundimos muitas vezes realização com satisfação e convencemo-nos que por termos todas as necessidades individuais e mais imediatas satisfeitas seremos felizes e realizados. Mas sabemos que não é verdade! Corremos atrás de pequenas e imediatas satisfações e os vazios não desaparecem. Estamos tão preocupados em ser felizes que nos esquecemos de amar e lhe vamos perdendo o jeito.

A realização humana encontra-se num outro horizonte e numa outra lógica. Ela tem a lógica do dom, na descoberta de que existo com e para, como na vida de Jesus. O desejo de participação dos universitários na Missão País não corre só atrás de uma semana divertida, mas desperta-nos para o desejo mais profundo que habita o coração do ser humano: amar e ser amado.

É aqui que a experiência da Missão País rompe e contrasta com a nossa hipermodernidade centrada no consumo e no indivíduo e aponta esse supremo horizonte de realização, simultaneamente pessoal e comunitário, e nos lembra tão simplesmente isto: «Queres ser feliz? Ama e serve!»

É claro que numa semana é impossível mudar tudo. Há muita coisa para transformar e a missão não se esgota em sete dias. Mas ninguém dá o último passo sem ousar sequer dar o primeiro! Uma semana de missão pode não ser muito tempo, mas pode ser um tempo decisivo, quando se descobre a meta que nos faz correr e se experimenta como, acompanhados, o caminho é possível.

Volta-se com o desejo de combinar programas para todos os dias, porque se traz uma vontade ilimitada de partilhar o que se viveu com as novas amizades que se construíram e com os que cá ficaram, mas não há dispensa de regressar à dureza do quotidiano, ao estudo e às aulas, ao todos os dias, às questões pessoais e familiares por resolver, às preocupações e contradições, ao que falta fazer. A realidade não muda de forma mágica, nem automática, nem rápida, mas pode abrir-se uma perspetiva diferente que ilumina e esclarece, que nos muda. E quando nós mudamos, tudo muda.

E missionar é como semear. A Missão País não é só o que já é. Ela é o que será!

É difícil dizer totalmente toda a sua identidade, porque as coisas de Deus são indizíveis. Se o seu lema e objetivo é ‘Inspirar gerações que vivam a fé católica em missão’, ainda há, certamente, muito fruto para ser colhido. Tenho a esperança que a Missão País inspire novas gerações de médicos e gestores, psicólogos e artistas, juristas e jornalistas, professores e engenheiros, governantes e sacerdotes, pais e mães, e tantos outros, nas mais variadas profissões e vocações, a serem amantes da vida (de cada vida) e do bem comum, interessados e não interesseiros, amigos e servos. Um tempo de missão é bom, mas descobrir a vida como missão será ainda melhor.

Obrigado à Missão País por nos lembrar verdades tão essenciais. Obrigado a todos os missionários por arriscarem esta semana. Obrigado a todos os chefes para quem o poder foi serviço. Obrigado a todas as terras de Portugal que receberam missões pela disponibilidade para acolher e pela grande generosidade na partilha.

Obrigado a esta nova geração por não abdicar do desejo de dedicar a vida a coisas grandes!

Talvez não sejam eles a precisar de resgate. Talvez sejam eles a resgatar-nos, quando despertam em nós o desejo do que realiza a existência e lhe dá sentido: «Em tudo, amar e servir!»

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.