Desde os alvores da civilização que a refeição vai além do mero ato de retemperar forças: tem um tom simbólico de aliança, de reforço de laços já existentes ou de forjar de novas relações. A refeição é um lugar de intimidade e de verdade. Midnight Diner apresenta-nos um restaurante aberto noite dentro em Tóquio, no Japão, onde o Mestre – a misteriosa personagem principal, que continua sem nome e sem história ao fim de cinco temporadas – acolhe todos aqueles que procuram algo que comer entre a meia- -noite e as sete da manhã.
O espaço é exíguo, um cubo com um retângulo dentro – o balcão – à volta do qual os visitantes se sentam; balcão com fronteira aberta somente à cozinha. O menu não oferece mais que sopa de porco e legumes, cerveja e saqué, mas o nosso anfitrião prepara qualquer prato que as suas visitas desejem, desde que tenha os ingredientes. Por lá vão passando a cantora desejosa de notoriedade e o velho que canta nas esquinas, o Yakuza e a jovem viúva que tenta educar a sua filha. Este restaurante é refúgio, útero, e lugar de confronto com a verdade que habita cada um. Talvez por isso o tom seja algo melancólico: ainda que orientado à esperança, prescinde de um otimismo ingénuo ou fácil, e não tem pudor em afrontar a tragédia.
Midnight Diner exige ser saboreada, pedaço a pedaço, numa longa digestão da rica palete de sabores presente em cada um dos nossos sentimentos.
Cada episódio é um ato isolado, em que o papel do Mestre é o do servo fiel da narrativa, narrativa que se abre pelo condão do seu silêncio, de uma pergunta ou um parcimonioso comentário seu. O Mestre é a força gravitacional da série, mas não o centro dela; ele sustém a narrativa através de uma presença que tem toda a força de um sol poente: ele abre espaço à lua e às estrelas pela forma como se ausenta.
Midnight Diner é o lugar onde o sol se esconde durante a noite, lugar de luz porque deixa brilhar. Num momento em que tantas séries são produzidas de forma a tomar posse das nossas emoções, numa constante e frenética manipulação dos sentidos, é um descanso encontrar-nos com uma série que reclama somente a nossa atenção. Midnight Diner exige ser saboreada, pedaço a pedaço, numa longa digestão da rica palete de sabores presente em cada um dos nossos sentimentos. Midnight Diner é uma janela aberta para a riqueza da Humanidade e do universo de sentimentos que habita cada ser humano, cosmos que parece estar em paradoxo permanente e batalha incessante. Série desconcertadamente simples, exige-nos uma presença total, como todas as coisas simples, quando bem servidas, como o florescer de uma flor que, pétala por pétala, vai revelando o seu mistério.
MIDNIGHT DINER: TOKYO STORIES Género COMÉDIA, DRAMA / Duração: 25 MIN País JAPÃO / Idioma original JAPONÊS Produtores JOJI MATSUOKA, NOBUHIRO YAMASHITA, SHOTAROU KOBAYASHI Distribuição NETFLIX / Lançamento no Japão 2009 Nº de temporadas 50 / Nº episódios 50 Nº temporadas em Portugal 20 Nº episódios em Portugal 20
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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