Há, n’ A Gargalhada de Augusto Reis, dois pontos que nos parecem dignos de nota. O primeiro é estilístico: o estilo de Jacinto Lucas Pires, mais do que espantoso é espantado; e é isso, mais do que o enredo – que até oscila entre uma certa melancolia e alguma frustração – que dá uma toada alegre ao romance. Jacinto Lucas Pires escreve com descontracção e sobriedade, embora nem sempre o estilo case na perfeição com aquilo que narra. A sobriedade branda quadra bem com Augusto Reis, pior com Sofia ou com Djalma; a descontracção talvez quadre melhor com Djalma do que com Augusto Reis; porém, a uniformidade acaba por dar a todo o quadro uma espécie de normalidade quotidiana que é um dos pontos fortes do livro. Não só pela alegria que se encontra no quotidiano, mas também pela forma como este quotidiano acaba por ser um perigo e uma forma de banalização da vida ética – coisa que atormentará Augusto Reis, o poeta que desculpa algum consentimento indefensável com a normalidade.
O estilo de Jacinto Lucas Pires, mais do que espantoso é espantado.
A Gargalhada de Augusto Reis é, além disso, um romance historicamente interessante pela recuperação, quer de uma ideia de poeta perdida nos últimos anos – a ideia do poeta institucional, académico, à maneira de T. S. Eliot ou de David Mourão Ferreira – também a ideia de uma certa elite do Estado Novo, não muito ideológica, de certa forma apolítica e ultraespecializada, que se confronta com a grande diferença entre a ideia que tem do seu compromisso com o regime e a ideia que o 25 de Abril tem desse compromisso.
O espanto, meio magoado, de Augusto Reis com a compreensão desta diferença é assim, também, um dos pontos mais interessantes do romance.
Informações:
A Gargalhada de Augusto Reis de Jacinto Lucas Pires
Porto Editora, 2018 – 264 páginas.
Custo: 14,94 € – comprar aqui.
Este artigo foi publicado no caderno cultural da revista Brotéria.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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