Ir a um Museu: A Casa do Cinema Manuel de Oliveira

Através do olhar de Filipe Costa Lima a Brotéria leva-nos hoje até à casa do Cinema Manoel de Oliveira no Porto. Uma excelente forma de antecipar uma visita que nos coloca em contacto com a obra de Manoel de Oliveira e Siza Vieira.

Através do olhar de Filipe Costa Lima a Brotéria leva-nos hoje até à casa do Cinema Manoel de Oliveira no Porto. Uma excelente forma de antecipar uma visita que nos coloca em contacto com a obra de Manoel de Oliveira e Siza Vieira.

Manoel de Oliveira e Álvaro Siza: as maiores figuras do cinema e da arquitectura portuguesas encontram-se finalmente em Serralves.

No passado dia 24 de Junho, data emblemática para a cidade do Porto por se celebrar a festa do nascimento de São João Baptista, foi inaugurada pelo Presidente da República a Casa do Cinema Manuel de Oliveira. Depois de mais de 20 anos de trabalho para a criação na cidade de um espaço expositivo consagrado à obra do cineasta, Serralves disponibiliza ao público este enorme património.

No final do século passado, a Câmara Municipal do Porto tinha tomado a iniciativa de criar um museu-residência para Oliveira; por falta de acordo com o realizador, esse edifício que fora projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura e concluído em 2003, nunca viria a servir o fim proposto.
Em 2013 foi finalmente assinado o protocolo entre o cineasta, a Fundação de Serralves e a então Secretaria de Estado da Cultura para a construção da Casa do Cinema Manoel de Oliveira.

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Fotografia: © Fernando Guerra | FG+SG

A Casa do Cinema está instalada no extremo nordeste do Parque de Serralves, naquela que foi a antiga garagem da Casa de Serralves – aquando da construção da casa principal, o Conde de Vizela adquiriu o edifício, encarregando o arquitecto Marques da Silva de o enobrecer e adaptar a garagem e casa do motorista.
Siza Vieira reabilitou-o e ampliou-o de forma cuidada, adaptando-o ao novo programa:

No piso térreo, no antigo espaço destinado à garagem, um espaço para exposições temporárias, onde está patente a inaugural: Manuel de Oliveira – A Casa (patente até 27 de Outubro). Trata-se de uma exposição incisiva sobre a importância da casa na vida e obra de Oliveira.  O ponto de partida é o filme Visita ou Memórias e Confissões (1982), gravado na sua própria casa e para ser exibido postumamente. Ao longo do percurso vamos sendo inquietados pelas interpelações do próprio realizador/actor que, na primeira pessoa ou através de outros, nos conduz à experiência de habitar a casa e o próprio filme. Apesar de se tratar de uma exposição temporária, é certamente a mais interessante e cuidada das três em exibição.

No piso superior, a exposição permanente – uma sala onde se pode perceber o percurso do cineasta: um grande ecrã táctil com a cronologia da carreira, cinco telas que vão projectando cenas paradigmáticas de filmes em destaque e uma vitrine com os troféus mais importantes. Num pequeno espaço podemos percorrer e tocar a densidade destes 88 anos ligados ao cinema – a mais longa carreira de realizador de que há registo. Como recordava Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso inaugural, trata-se de “uma obra que começou no cinema mudo e terminou em 2014, contemporânea do modernismo, precursora do neorrealismo, contemporânea atenta à voga do documentário antropológico, desestabilizadora da ligação com a literatura, defensora de um cinema do tempo e da lentidão, interrogativa face ao tempo presente e às grandes narrativas ocidentais”.

Na Casa do Cinema fica claro que estamos perante dois dos maiores génios criativos que o país conheceu.

A Sul do edifício da garagem, separado por um pátio coberto por uma pérgola com trepadeiras, “será criado um outro corpo, com a mesma largura (cerca de 11 metros), onde serão instalados serviços complementares: uma sala de cinema, salas de trabalho e espaços de armazém. O volume deste novo edifício assume-se na continuidade do existente, com uma platibanda de remate à mesma cota. A cobertura, em duas águas, é em chapa de zinco, e não em telha, como a existente.” Como já se podia antever em 2013 na memória descritiva do projecto de Siza, o novo edifício dialoga com a preexistência, servindo-se dela como ponto de partida para chegar a um lugar mais rico, porque atento ao que o rodeia – atitude transversal a quase toda a obra do arquitecto.

O espaço projectado para a sala de cinema, pelas suas proporções e escala, contrasta com o resto do edifício. Aqui serão organizados vários ciclos temáticos com filmes do cineasta ou ligados a si – neste ciclo inaugural podemos encontrar uma densa programação até ao fim de Julho.

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Fotografia:© Fernando Guerra | FG+SG

No piso superior, encontramos 3 salas com uma exposição documental: Manuel de Oliveira – O Acervo (patente até 29 de Setembro). Apesar da qualidade arquitectónica dos espaços expositivos – um mais pequeno, iluminado por uma maravilhosa claraboia e os outros dois, por baixo da cobertura de duas águas, com amplas janelas abertas para a galeria e para as copas das árvores – e da pertinência de alguns dos documentos em mostra, que permitem ter um vislumbre complementar sobre a exposição inaugural e sobre quem foi Manoel de Oliveira, a exposição fica aquém do esperado, sobretudo tendo em conta que o Acervo está integralmente depositado na Fundação de Serralves desde 2016.
Por baixo, no piso térreo, as salas contíguas à sala de cinema estão encerradas ao público e servem para alojar o acervo – face à função que desempenham é difícil perceber a relação criada com o jardim a sul, que pedia um programa de acesso público.

Não sendo um edifício inovador ou incontornável no percurso de Siza, é um projecto de grande qualidade – sobressai a forma inteligente como reabilita e se relaciona com o edifício da garagem, recriando-o como só ele sabe. Uma resposta de hoje mas que é de sempre.

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Maqueta do projeto de Siza Vieira ©. Fotografia cedida pelo atelier de Siza Vieira ao autor do texto.

Na Casa do Cinema fica claro que estamos perante dois dos maiores génios criativos que o país conheceu: Manoel de Oliveira, um incansável lutador na procura do eterno, que deixa transparecer nos seus planos a luz que brota de uma busca maior. Os recursos, tantas vezes escassos para tão grande demanda, foram também eles transformados em oportunidade. Uma ‘fidelidade criativa’ evidenciada no seu percurso amoroso com o cinema.
O seu admirador, Álvaro Siza, que com 86 anos é o arquitecto português mais premiado de sempre (tal como Oliveira), é igualmente obsessivo nas perguntas, no desenho exaustivo, em busca da forma e de cada detalhe – o seu trabalho é um mergulho vertiginoso à procura da sua resposta para cada desafio, qual maneirista do século XXI.

Mais uma Casa para visitar em Serralves.

Fotografia de capa: © Fernando Guerra | FG+SG

 

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Fotografia: © Fernando Guerra | FG+SG

Informações úteis

Museu de Serralves (Mapa Google)
R. Dom João de Castro 210, 4150-417 Porto
Contactos
Informações:+351 808 200 543 (custo de uma chamada local)
Geral Telefone: +351 226 156 500
Casa do Cinema Manoel de Oliveira
Bilhetes: 12 € (inclui acesso ao Parque de Serralves) I Gratuito para menores de 12 nos e Amigos de Serralves
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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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