Inácio de Loiola, um texto a reescrever

No Mês de Santo Inácio, do Ano Inaciano que a Companhia celebra, aqui fica uma breve proposta para um itinerário com Inácio através dos livros: tal proposta é feita na mesma liberdade com que o leitor escolherá o seu próprio itinerário.

No Mês de Santo Inácio, do Ano Inaciano que a Companhia celebra, aqui fica uma breve proposta para um itinerário com Inácio através dos livros: tal proposta é feita na mesma liberdade com que o leitor escolherá o seu próprio itinerário.

A celebração de um Ano Inaciano, nos 500 anos da conversão de Inácio de Loiola, poderá ser uma oportunidade para aprofundar o conhecimento deste Santo maior da tradição espiritual cristã, abrindo passo à escrita da história de cada um enquanto crente. Em Portugal, as suas obras estão publicadas na Editorial AO que propõe, além dos escritos do Santo, alguns subsídios biográficos.

Uma primeira observação, no entanto, se impõe: os escritos de Inácio caracterizam-se por uma brevidade que, se não os retira do mais elevado património literário da Humanidade, os afasta, no entanto, da noção habitual de “obra literária” ou até de “livro espiritual”. Vejamos: a sua Autobiografia foi narrada por Inácio a Luís Gonçalves da Câmara em forma de entrevista, com alguma resistência do Santo pelo meio; as Cartas, naturalmente, são a escrita moldada pelo contexto, pela necessidade e, à partida, pela discrição reservada aos destinatários; os Exercícios são como que um manual de indicações pensadas para aquele que dirige ou acompanha o exercitante: se não se trata de um livro reservado a especialistas, também não será um texto pensado para ser um bestseller; as Constituições da Companhia são, claro, textos normativos; e temos, finalmente, os dois pequenos Cadernos dos muitos onde Inácio apontava, metodicamente, as moções que contemplava no seu quotidiano e que permanecem, de certo modo, como que uma relíquia para a Companhia de Jesus.

Os escritos de Inácio caracterizam-se por uma brevidade que, se não os retira do mais elevado património literário da Humanidade, os afasta, no entanto, da noção habitual de “obra literária” ou até de “livro espiritual”.

Assim, se Inácio de Loiola pertence, de pleno direito, ao Século de Ouro espanhol, onde acompanha escritores de vulto como João da Cruz ou Teresa de Jesus, a sua escrita tem características muito próprias. Apontemos um breve traço: trata-se de uma escrita a fazer-se, de uma linguagem fortemente dialogada onde vários interlocutores encontram a sua voz e o seu lugar – os destinatários das Cartas, o entrevistador da Autobiografia, o mestre dos Exercícios e o exercitante… e, finalmente, a Majestade Divina, presença capaz de acompanhar e suavizar, com a sua Graça, os excessos de zelo, de escrúpulo e de lassidão a que o ser humano com frequência se entrega. Mais do que uma “Obra” acabada, Inácio transmite-nos uma linguagem, um método ou uma gramática para um texto a escrever, o percurso espiritual de cada peregrino.

Apresenta-se aqui uma breve proposta para um itinerário com Inácio de Loiola através dos livros: tal proposta é feita na mesma liberdade com que a leitora ou o leitor escolherão o seu próprio itinerário.

Comece com uma contextualização histórica da vida de Inácio e da instituição da Companhia de Jesus. A biografia proposta por José María Olaizola, Inácio de Loiola, Nunca Só, fornece um quadro bem nutrido, em nove breves capítulos de uma escrita cativante, do percurso pessoal e espiritual de Inácio a partir de uma ferida que abriu em fecundidade a história de um carisma.

Em seguida, aventure-se na Autobiografia e, se puder dispor de tempo e paciência, nas Cartas de Santo Inácio. Nestas será todo um mundo novo a abrir-se, o mundo das expansões marítimas e do seu acompanhamento pela Companhia, com as chaves e regras para uma vida missionária fecunda; a Autobiografia, ou Relato do Peregrino, continua a ser o melhor lugar para conhecer a vida de Inácio, e será uma leitura fecunda se se cumprir o desejo do Santo ao aceitar narrá-la: que seja útil para a alma que busca, em tudo, a vontade de Deus.

Finalmente, encontrará em Rezar com Inácio de Loiola, da autoria de Jacqueline Bergan e Marie Schwan csj, uma ferramenta muito útil para recapitular todos os escritos de Santo Inácio.

Finalmente, encontrará em Rezar com Inácio de Loiola, da autoria de Jacqueline Bergan e Marie Schwan csj, uma ferramenta muito útil para recapitular todos os escritos de Santo Inácio. Através de 15 breves capítulos organizados por excertos de escritos de Inácio, de documentos da Companhia, de passagens da Escritura e de propostas de reflexão, este livro faz a ponte com o trabalho pessoal e comunitário que uma vida espiritual implica.

Já o livro dos Exercícios ocupa um lugar especial. A sua leitura como artefacto literário e teológico será com certeza fecunda para quem tiver a generosidade de a ela se entregar, na consciência de que tal leitura encontrará o seu contexto próprio no cruzamento de diversos graus e interlocutores: um acompanhante espiritual, um lugar próprio, um ritmo… Através das suas regras e métodos, os Exercícios fornecem diversas ferramentas para que o exercitante encontre uma linguagem para dialogar e discernir a vontade de Deus: no meio das distrações e sonolências que marcam os nossos dias, tal leitura será, ao mesmo tempo, um ato de reescrita de um percurso espiritual.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.