Gilles Caron: A História de um olhar

Estava nos lugares para registar a História, mas interessava-se mais ainda pelos homens no coração da História. É esta forma de ser fotógrafo de Gilles Caron que o filme de Mariana Otero, proposto pela Brotéria, nos ajuda a encontrar.

Estava nos lugares para registar a História, mas interessava-se mais ainda pelos homens no coração da História. É esta forma de ser fotógrafo de Gilles Caron que o filme de Mariana Otero, proposto pela Brotéria, nos ajuda a encontrar.

Breve sinopse:
Gilles Caron estava no auge da sua carreira brilhante de fotojornalista quando desapareceu repentinamente no Camboja em 1970. Tinha 30 anos. Em apenas seis anos, foi uma das principais testemunhas do seu tempo, fotografando para os maiores jornais e revistas da imprensa internacional, acontecimentos como a Guerra dos Seis Dias em Israel, os confrontos de Maio de ‘68 em Paris, o conflito na Irlanda do Norte e a guerra civil no Tchad. Quando a realizadora Mariana Otero descobre o trabalho de Gilles Caron, é atraída por uma fotografia em especial, que ecoa a sua própria história, o desaparecimento de um alguém querido que deixa apenas imagens por decifrar. Mariana mergulha então nas 2590 folhas de contacto de Caron para lhe devolver a presença e contar a história do seu olhar tão singular.

 

A ideia deste documentário era tornar Gilles Caron presente, vivo, próximo de todos. Revelar ao mundo o autor de tantas imagens tão célebres da História deste que era o foto-jornalista mais promissor da sua geração, e cuja obra e respetivo arquivo são absolutamente fora de série.

 

Nota crítica:
Mariana Otero (1963) é uma cineasta francesa, a quem a Fundação Gilles Caron confiou todo o seu império, isto é, todas as fotografias de Caron. Maîtrise de Lettres, pela Universidade de Paris VIII e cuja tese final foi Valeurs de la Poésie dans Alphaville de Jean-Luc Godard (1985), frequentou em simultâneo cursos do filósofo Gilles Deleuze e licenciou-se em Cinema no IDHEC – Institut des Hautes Études Cinématographiques (1988), atualmente La FEMIS, acrónimo de Fondation Européenne des Métiers de l’Image et du Son. Ao receber a biografia de Gilles Caron, Mariana, que até ali desconhecia o autor, deixa-se tocar pelas imagens que já habitavam a sua memória, reconhecendo alguma proximidade à sua própria história. Assim começa esta belíssima aventura.

Na época de Gilles Caron, considerado o Robert Capa francês por Cartier-Bresson, os repórteres fotográficos não tinham tempo para numerar os rolos e como as agências os recebiam ainda não revelados, acabavam por lhes atribuir números aleatórios. Para poder acompanhar o caminho de Caron, Mariana precisou de arrumar as mais de 100 000 fotografias por ordem cronológica. Este primeiro momento era essencial para aprofundar a investigação e acabou por ser determinante porque fez com que a realizadora lhe seguisse verdadeiramente os passos, fazendo-se acompanhar de testemunhas que o conheceram e até de historiadores para a ajudarem a decifrar imagens concretas (em Jerusalém, por exemplo), o que a catapultou para uma profunda proximidade a Gilles.

A ideia deste documentário era tornar Gilles Caron presente, vivo, próximo de todos. Revelar ao mundo o autor de tantas imagens tão célebres da História deste que era o fotojornalista mais promissor da sua geração, e cuja obra e respetivo arquivo são absolutamente fora de série. Diamantino Quintas, o mestre-impressor de fotografia analógica mais importante do panorama atual e quem recuperou todas estas imagens, adianta no trailer: «É impressionante como em rolos de 36 imagens, há pelo menos 30 a explorar, é incrível.»

Gilles Caron diz-nos que não distinguia uma guerra de uma estreia no Olympia, de uma manifestação, ou de um conselho de ministros. Custa acreditar, sobretudo pela fotografia que fez do cineasta e fotógrafo Raymond Depardon, durante a guerra civil do Biafra, na Nigéria, mas talvez seja mais fácil aceitar se pensarmos na seriedade e brio com que o faz.

Mariana, que já esteve nomeada para o César, e que já estreou um documentário em Cannes, dá-nos a conhecer os planos cinematográficos de Gilles e a forma extraordinária de fotografar pessoas. Era muito sensível ao corpo, aos planos e ao olhar de cada pessoa. Estava nos lugares para registar a História, mas interessava-se mais ainda pelos homens no coração da História. Assim atravessava cada evento e descobria sempre alguém em concreto, captava as pessoas pela sua singularidade sem nunca as reduzir a vítimas. É também paradoxal este encontro e intimidade que tornam as suas fotografias universais. De todo o maravilhoso universo de Gilles Caron, guardo preciosamente o seu mote: é sempre preciso descobrir a pequena história.

 


HISTOIRE D’UN REGARD, À LA RECHERCHE DE GILLES CARON I Documentário
Estreia em França 29.01.2020 / 1H33 minutos
Realização MARIANA OTERO
Cinematografia KARINE AULNETTE e HÉLÈNE LOUVART
Argumento MARIANA OTERO e colaboração de JÉRÔME TONNERRE
Música DOMINIQUE MASSA
Edição AGNÈS BRUCKERT
Página oficial do filme

Disponível em DVD.

Fotografia: © Jérôme Perbois Archipel

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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