Fazer-se peregrino

O P. Abel Bandeira sj peregrinou 26 dias, de Loiola até Manresa, pelos passos de S. Inácio. Na semana anterior à festa do fundador da Companhia (dia 31), um episódio diário desta história vivida a quatro pés e contada a quatro mãos.

O P. Abel Bandeira sj peregrinou 26 dias, de Loiola até Manresa, pelos passos de S. Inácio. Na semana anterior à festa do fundador da Companhia (dia 31), um episódio diário desta história vivida a quatro pés e contada a quatro mãos.

Abel caminhou de Loiola até Manresa. No dia 3 de maio, pegou na mochila, com meia dúzia de coisas essenciais, e fez-se à estrada pelo país basco. Fez-se peregrino. Em estado de pobreza total, sem comida nem dinheiro, nem “lugar onde reclinar a cabeça”, como diz Jesus no Evangelho. Apenas confiado na Providência. A mesma que o fez entrar na Companhia de Jesus em 1986 e que o conduziu à ordenação sacerdotal em 1998. Vinte anos depois de ser ordenado sacerdote, o P. Abel Bandeira sj quis percorrer o mesmo caminho feito por Santo Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, no século XVI. Uma oportunidade que não teve no tempo do noviciado, onde os noviços fazem uma peregrinação de 15 dias – a chamada prova da peregrinação -, mas cuja ideia nunca lhe saiu da cabeça.

O sonho desta peregrinação foi sendo adiado ao longo dos anos. O regresso a Portugal, depois de seis anos de missão em Moçambique, onde foi pároco e mestre de noviços, e um período sabático deram o mote para recuperar este desejo e levá-lo à prática. Já com 55 anos, Abel conservava o fascínio pelas caminhadas pela Europa e pela Terra Santa feitas por Inácio de Loiola. Aquele que se chamava a si próprio “peregrino” percorreu milhares e milhares de quilómetros a pé para conhecer e dar a conhecer Deus, o que lhe valeu o apelido de “louco de amor por Jesus Cristo”.

 

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Ilustração de Mário Linhares

Mas há um caminho que se destacou entre todos os outros – o que liga Loiola e Mansera -, pois, mais do que um percurso exterior, marcou um intenso e profundo caminho interior. Depois de ter sido gravemente ferido numa batalha e no rescaldo de um longo período de convalescença, o guerreiro Inácio deixou a vida militar e saiu da sua cidade natal de Loiola em direção à Terra Santa. Convertido e confiado a Deus, quis conhecer os lugares sagrados e ver, com os seus próprios olhos, onde Jesus nascera, vivera, pregara e morrera. Em Monserrate, já na Catalunha, Inácio entregou a sua espada, e mais à frente, em Manresa receberia aquela que ficaria conhecida como a “visão do Cardoner”. Uma experiência mística que mudaria para sempre a sua visão das coisas e do modo como Deus está presente no mundo e que conduziria, anos mais tarde, à fundação da Companhia de Jesus. Aí terá começado também a escrever os Exercícios Espirituais, modelo de oração que incutiu nos jesuítas e tem marcado milhares de pessoas ao longo dos séculos.

Mais de 600 quilómetros separam estas duas cidades de Espanha, e Abel quis percorrê-los como o fundador dos jesuítas o fez. Da forma mais parecida possível: quis ver o que Inácio viu, sentir o que Inácio sentiu, caminhar pelos seus passos. Deixando-se apanhar pela surpresa de Deus e dos outros. E de Deus nos outros.

A história que agora se apresenta parte daí, deste percurso de 26 dias, marcado pela oração, a entrega, o acolhimento das graças e provações que Deus lhe ia enviando, mas também o sofrimento e o cansaço. Ao longo de oito dias, a começar hoje e a terminar no dia de Santo Inácio, na próxima terça-feira, 31, relataremos sete histórias que marcaram profundamente o P. Abel Bandeira nesta sua peregrinação. Episódios e pensamentos que brotaram da sua experiência pessoal e que, “por tanto bem recebido”, ficam agora ao dispor de todos.

“Nos passos de Inácio” não será, contudo, o relato de uma caminhada física nem tão pouco de um percurso interior, pois sabe Deus se este percurso espiritual não começou bem antes de Loiola, e não continuou para além de Manresa. Além disso, quem escreve um conto, acrescenta um ponto, e esta não será uma história narrada na primeira pessoa. Apesar de ter sido partilhada de viva voz pelo seu protagonista, o P. Abel Bandeira sj, foi escrita por uma segunda pessoa, a Rita Carvalho, que, por sua vez, a recontou a uma terceira, ao Mário Linhares, que desenhou as ilustrações.

Será, assim, uma história percorrida e vivida a quatro pés (Inácio e Abel), narrada a quatro mãos (Rita e Mário). Para ser meditada e inspiradora para muitos mais.

Nos Passos de Inácio II

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.