Como não falar de algo que nos faz ficar em casa desde há uma semana? Como não falar de algo que nos vai fechar em casa por mais duas semanas? Como ignorar o tema [quase único] dos grupos de WhatsApp, das notícias, dos feeds do Face, Insta, Twitter e LinkedIn? Pois… não dá. E, como toda a gente fala, tenho visto neste buffet de excesso de informação, com muita clareza, um prato do dia: ‘Ruído de pânico malpassado com merengado de opiniões polvilhado de fake news e clickbait’. Não estaria a escrever isto se não visse amigos (amigos inteligentes e bem informados) a perder a calma na linguagem e nas acções com este prato do dia, servido 24/7, via todos os canais de comunicação.
O quero é dar uma palavra factual de tranquilidade, que a meu ver os dados suportam, em vez de acrescentar ruído. Porquê? Porque opiniões não são factos, porque ansiedade não substitui ciência e porque precipitação é má política. Em suma: alarmismo não resolve nenhum problema. Acções resolvem. Mas só quando são informadas e acertadas. Além do mais, não há razão nenhuma para não fazermos aquilo que devemos fazer neste período de isolamento com boa cara, confiança e espírito leve, dado que a circunstância já é suficientemente pesada. Fazer o contrário é propagar o pânico e o pânico é como um vírus.
Não há razão nenhuma para não fazermos aquilo que devemos fazer neste período de isolamento com boa cara, confiança e espírito leve, dado que a circunstância já é suficientemente pesada. Fazer o contrário é propagar o pânico e o pânico é como um vírus.
Get the facts [right] or the facts will get you [wrong]
Eu não sou epidemiologista [que é o ramo da ciência que estuda estes assuntos] nem quero insinuar que dados são ciência, porque não são. Mas, para fazer ciência são sempre necessários dados, ou então, nenhuma teoria se prova e o que quer que se defenda em tese não passa de mera especulação. Vou fazer duas observações sustentadas nos dados da Worldometers (que é alimentada pela Johns Hopkins University), da Microbescope e do Observador ao qual adiciono uma conclusão que, sendo pessoal, contradiz aquilo que normalmente costumo dizer acerca do governo. Portanto, sou levado a achar que é uma conclusão, de facto, sustentada nas observações.
Observação 1: Existe uma desproporção de mediatismo face à propagação e à mortalidade
Facto 1.a) Em comparação com outros vírus cujo vector de transmissão é semelhante, a fatalidade e propagação do COVID são baixas. A fonte do intervalo de fatalidade da COVID é a OMS. Fiz cross-checks dos valores apresentados em vários sítios diferentes para os tornar mais sólidos [porque a Microbescope faz médias].
Facto 1.b) A taxa de mortalidade está actualmente a subir e isso tem uma possível explicação: mais depressa se morre do que se cura. Eis o que quero dizer: À data da redacção deste artigo existem 275 mil casos diagnosticados, dos quais 101 mil estão já fechados. Destes, 90 mil resultaram numa cura e 11 mil resultaram numa morte. Isto, aplicando o cálculo anterior dá-nos que a CFR é de 11%. Além do mais, se analisarmos o caso de Itália, que é o caso mais preocupante actualmente, que apresenta um CFR de 44%, parece que me acabei de contradizer a mostrar o gráfico anterior, mas não. Porquê? Porque o comportamento da taxa de fatalidade não é homogéneo ao longo do tempo. Eis o caso da Coreia do Sul, que é o único país que, à data, tem o comportamento padrão epidemiológico já evidente e no qual não se fez tracking in media res, como aconteceu na China. À medida que os casos diagnosticados são tratados e têm um resultado, os números começam a estabilizar em valores próximos aos dados pela OMS apesar de a taxa subir muito nas primeiras semanas do surto.
À medida que os casos diagnosticados são tratados e têm um resultado, os números começam a estabilizar em valores próximos aos dados pela OMS apesar de a taxa subir muito nas primeiras semanas do surto.
Como é que isto se explica? Várias causas, sendo esta uma delas: sabendo que quem morre, na esmagadora maioria dos casos, são pessoas que têm outras agravantes de saúde e/ou são mais velhas, o que os dados mostram é que quando se dá uma fatalidade, que estatisticamente acontece nestas camadas da população que estão fragilizadas ex-ante, dá-se mais depressa do que uma cura da doença nas camadas menos vulneráveis. Isto é uma verdadeira boa razão para nos isolarmos de e isolarmos os grupos de risco [coisa que, de facto, fizemos por iniciativa popular e privada antes de qualquer movimentação do governo]. Resumindo: (1) as estatísticas são sólidas, (2) fizemos as coisas certas e (3) os números contradizem o pânico.
Facto 1.c) O mediatismo face a qualquer outra doença está absolutamente fora da escala. Este feedback pernicioso simultaneamente origina e resulta do pânico. Para evidenciar isto pensei num indicador “taxa de pânico justificável” que é a multiplicação entre o r0, a CFR e a mortalidade absolta e comparei com media hits na GoogleNews até à data. O que seria esperar é que houvesse uma proporcionalidade entre a taxa de pânico e a cobertura mediática porque: (1) quanto mais fatal, (2) quanto mais se contagiar e (3) quanto mais houver evidências reais de mortes, mais os media dariam importância à doença. Mas, eis a conclusão: Não há proporcionalidade… é completamente errático. E, não só é errático face a qualquer das dimensões anteriores, como existe uma distância por um factor de 18 entre o mais mediático e o segundo mais mediático que é o caso do SARS, que nenhuma dimensão qualificaria para estar na ribalta. Pergunta: porque será que não se vê nenhuma peça de notícias que apresente os números contextualizando o problema da pandemia e só vejo coisas como: “Mortes sobem 30% em Portugal nas últimas 24 horas” ou “Mais de 4.825 mortes em Itália”? A resposta vem com uma pergunta: “O que é que te vai deixar agarrado à televisão ou ao jornal online?”
Portanto, onde quero chegar é bastante óbvio: as mensagens de alarmismo que nos são passadas e causam ansiedade a toda a hora são desajustadas face aos factos e, mesmo para quem quiser informar-se factualmente, as parangonas são muito má proxy da realidade. O conteúdo quer recorrência, portanto, quer alarme. Esta desproporção deveria fazer-nos pensar na nossa alta permeabilidade aos media (sejam novos ou tradicionais) e na nossa baixa permeabilidade aos factos. E já agora, esta exploração mediática não vai parar. A seguir ao alarme da saúde, começará o alarme económico. E já está a começar.
Observação 2: Portugal não está nas mesmas linhas de contágio que Itália ou Espanha
Facto 2. a) Antes de mais, é preciso explicar uma coisa, nas palavras de Gordon Moore: “Não há exponenciais eternas”. Nem na epidemiologia nem em quase nada. Todos estes surtos, quando analisados cumulativamente, apresentam obrigatoriamente uma distribuição em S (S-curve) e os casos activos apresentam uma distribuição em sino (Bell-curve). A pandemia apresentaria sempre essa S-curve com ou sem medidas de controlo, porque à medida que pessoas são infectadas, há cada vez menos pessoas disponíveis para infectar. A única incógnita é a inclinação do S. Como vi isto a circular em cerca de 20 grupos diferentes, depreendo que isto não seja novidade para ninguém. Agora a implicação nuanceada desta regra que vi a ser desrespeitada em estimativas apresentadas por não epidemiologistas [vulgo, pânico aritmético]: quando se fazem cálculos com base num modelo apenas exponencial… É de não confiar nos cálculos, porque a base matemática do modelo utilizada para a estimativa, já está mal a priori. Não admira que depois dê largas centenas de milhar ou milhões de infectados em Portugal daqui a poucas semanas. O problema não é o erro aritmético, é o pânico que o erro gera.
Facto 2.b) Para saber se a propagação desta doença vai ser o desaire que está a ser noutros países europeus [que são simultaneamente países preocupantes e comparáveis porque são europeus como nós e importaram o vírus como nós], temos de homogeneizar os dados do contágio. Padronizando a trajectória da propagação a partir do paciente número 100, vemos que não estamos nem no limite superior das propagações, nem estamos no limite inferior. É o costume: medianamente portugueses.
Agora vem a pergunta: Para onde é que vamos? Quem é que sabe? Ninguém. Mas tenho uma abordagem para a pergunta. Dados: (1) Medidas de distanciamento social são a melhor maneira de minimizar a propagação. (2) Os isolamentos voluntários começaram a acontecer nos dias 12 e 13 de Março. (3) A incubação leva até 14 dias a manifestar-se em sintomas. Como no dia 13 de Março existiam 112 casos, tomámos medidas (padronizando o tempo para a progressão que casos que existem num país) muito antes de todos os países comparáveis tomarem. Isto são boas notícias, que me levam a crer que vamos estabilizar num valor inferior. Mas só vamos ver essa estabilização daqui por uns dias. Uma pergunta inteiramente diferente é se “agimos” na altura certa. E a contra pergunta é “Quem é ‘nós’?” Se ‘nós’ for ‘cidadãos portugueses que se isolaram voluntariamente na semana passada’, sim. Se ‘nós’ for ‘governo Português’, não. Claramente não. Detalho a minha resposta no próximo capítulo.
O que o Primeiro-ministro quis de facto dizer é que: “Dado que já toda a gente começou a fazer a coisa certa antes de o governo dizer o que seja, é continuar o bom trabalho”.
Conclusão: O governo foi razoável nas medidas que adoptou
É bom criticar o governo pelos timings, porque os timings são de facto criticáveis. Muitos de nós estão em isolamento voluntário (imposto pelos próprios ou pelos patrões) desde 12 ou 13 de Março. O Presidente da República decretou estado de emergência a 18 de Março. O Conselho de Ministros só publicou a resolução em Diário da República dia 20 de Março e quase à noite. No seu discurso, o Primeiro-ministro diz que “as pessoas têm cumprido tão bem” uma lei que o próprio governo não decretou. É muito isto que tenho a dizer da liderança: líderes que não lideram, mas só reagem por pressão mediática, não são líderes. Pensando bem, esta catadupa de eventos, só por si, diz muito do povo e de quem o governa. O que o Primeiro-ministro quis de facto dizer é que: “Dado que já toda a gente começou a fazer a coisa certa antes de o governo dizer o que seja, é continuar o bom trabalho”.
É bom criticar a má gestão da crise que o governo tem feito: a falta de máscaras, a inadequação da linha SNS 24, falta de controlo de fronteiras, os ministros que dizem uma coisa num dia e o seu oposto no dia seguinte, as cativações e a falta de recursos da nossa saúde pública que o establishment dogmaticamente apregoa, mas sistematicamente destrói… Critique-se! Esta lista de críticas também diz muito de um aparato montado que não consegue defender-nos de nada, a menos que seja forçado pelo povo a entrar em estado de emergência.
Mas o que me parece não ser bom de criticar é o princípio orientador de minimizar impacto no dia-a-dia e maximizando a contenção. E tenho ouvido muita crítica acerca da insuficiência das medidas, especialmente pelas pessoas mais preocupadas com a situação. Eis o que me pus a pensar: mesmo que o único objectivo plausível da governação presente seja evitar contágio [que não é nem pode ser por um prazo demasiado extenso por razões, ademais, óbvias], o que aconteceria se não houvesse autorização para ir aos supermercados? Corrida aos supermercados, que originaria contágio. O que aconteceria se não fosse permitido ir à farmácia ou ao banco? A mesma coisa. E se não fosse permitido deslocações ao trabalho, como é que se garantiria o funcionamento daquilo que precisamos em quarentena? E se não se pudesse passear o cão? Nem sei qual é a alternativa neste caso… matar o bobby? O facto é que, neste caso, as medidas são adequadas. Não só porque era o que já estávamos a fazer, como porque o pânico e o caos originado pelas medidas no sentido mais restritivo iriam causar a coisa que são tomadas para evitar. Pelo menos nisto, estamos a fazer a coisa certa.
Tem de haver alguma tolerância a quem está nos dois lados do espectro nas atitudes: o extremo “irresponsável” e o extremo “hipocondríaco” – as duas palavras que oiço dos dois extremos para caracterizar o extremo oposto.
Vai correr bem
Muitas das conversas que tenho com amigos acerca disto são mais acerca de uma atitude face aos factos do que uma análise fria dos factos. E é normal, porque somos criaturas de significados: quando alguma força abana a ordem actual, temos maneiras diferentes de compreender o significado do que está a acontecer e do que a essa força é. Por essa razão, tem de haver alguma tolerância a quem está nos dois lados do espectro nas atitudes: o extremo “irresponsável” e o extremo “hipocondríaco” – as duas palavras que oiço dos dois extremos para caracterizar o extremo oposto. Porque é que é preciso tolerância? Porque se todos concordássemos, não era necessária. Para um lado e para o outro, a mensagem de cuidados a tomar é a mesma. Para uns e para outros, a mensagem de não pânico é a mesma. Para uns e para outros as semanas de isolamento correm melhor não pensando nos males da visão do extremo oposto.
Se tiver uma mensagem final a dar com este artigo é a seguinte, dita aos ingleses a meio da WWII quando enquanto sofriam baixas aos milhares cada dia: “Keep calm and carry on”. Para quem está no extremo mais “hipocondríaco” do espectro que tende a reagir mal até às mensagens humorísticas: se estamos a seguir as recomendações, estamos a fazer a coisa certa, mesmo que os números demorem a mostrá-lo. Nestes entretantos, pânico não é amigo. Para quem está no extremo mais “irresponsável” do especto, e sente aprisionado com o isolamento obrigatório: não deveríamos encucar com aquilo que não podemos fazer, mas ao invés, fazer com alegria aquilo que podemos fazer e aproveitar este tempo diferente que nos é dado, para fazer coisas boas e diferentes.
Esta é a mensagem de esperança e ânimo que quero trazer: Vamos ultrapassar isto. É um facto com o qual podemos contar! Como é que vamos ultrapassar isto, cabe-nos a nós. Escrevo isto não sabendo se estou ou não infectado, ou se alguém na minha família está ou algum dos meus amigos está. Mesmo assim, a mensagem não muda, porque há um sentido maior a tirar de tudo isto, mesmo que apanhemos este vírus. Será bom lembrarmo-nos disso mais tarde.
O autor escreve com o antigo Acordo Ortográfico.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.