Exercícios espirituais – escola de liberdade

Proposta espiritual de Santo Inácio, os Exercícios Espirituais estão no centro da primeira preferência apostólica universal da Companhia de Jesus que é Apontar o Caminho para Deus.

Proposta espiritual de Santo Inácio, os Exercícios Espirituais estão no centro da primeira preferência apostólica universal da Companhia de Jesus que é Apontar o Caminho para Deus.

Encontro consigo próprio

Pelos anos oitenta, após um dia de intensivo curso de pedagogia, com o proponente (jesuíta espanhol) e um amigo, fomos tomar um copo à esplanada do cais de Alcântara. Na amena cavaqueira, não sei a que propósito, vieram à baila os Exercícios Espirituais – EE. O meu amigo, crente não praticante, indaga sobre o que são; ao que o companheiro espanhol responde: para mim são uma escola de liberdade. Belo e verdadeiro enfoque do início de um processo de libertação interior. Efectivamente, nos EE somos convidados a reflectir sobre as nossas dependências que não nos deixam ser nós mesmos. Dependências que nos condicionam e retiram liberdade para escolher o mais conveniente, aquilo que mais convém. Na medida em que estamos dependentes, por ex. do que os outros possam pensar e dizer, nessa mesma medida as escolhas que fazemos não são livres. O darmo-nos conta desta realidade ajuda-nos a iniciar um processo de libertação e a crescermos como pessoas.

No ritmo acelerado da vida, atropelamo-nos e não nos damos atenção e espaço. Somos como que sugados pelos afazeres e pelo trabalho e não caímos na conta de que a nossa vida interior tem também necessidades. Ser acolhidos por um ambiente que nos convida ao recolhimento para podermos estar connosco e tomarmos consciência dos nossos desejos profundos, dos sentimentos que nos habitam e de irmos descobrindo quem somos, é uma experiência de nível superior. É neste contexto que se insere o silêncio exterior que, muitas vezes, assusta a quem está de fora, mas na realidade é a condição para que nos possamos ouvir. Não cortamos a comunicação, abrimo-nos sim a outro tipo de comunicação.

Para mim, a grande novidade que os EE me deram foi também a descoberta da pessoa de Jesus Cristo. O tornar presente, através das cenas do Evangelho, a imensa riqueza humana que encerram as palavras, os critérios, as atitudes, os gestos e a capacidade de amar de Jesus foi e é uma experiência inexcedível.

Encontro com Deus em Cristo

Para mim, a grande novidade que os EE me deram foi também a descoberta da pessoa de Jesus Cristo. O tornar presente, através das cenas do Evangelho, a imensa riqueza humana que encerram as palavras, os critérios, as atitudes, os gestos e a capacidade de amar de Jesus foi e é uma experiência inexcedível. Saber que sou pessoalmente amado, faz-me sentir que nunca mais estou só. Foi o que vivi e vivo e é o que encontro em muitas pessoas que fazem esta experiência. Os EE proporcionam um tempo aprazível de encontro connosco e com o Senhor.

O P. Karl Rahner, S.J. nas “Palavras de Inácio de Loyola a um Jesuíta de hoje” insiste em que os EE proporcionam a possibilidade de um encontro pessoal com Deus. Com efeito, o Senhor fala-nos de muitas maneiras: vem ao nosso encontro nas palavras dos Evangelhos, nos sacramentos, nos bons desejos que coloca no nosso coração, na beleza da natureza, entre muitas outras. E vem para nos manifestar quanto nos ama e nos dar paz e alegria. Estabelece-se um diálogo de grande familiaridade que requer de nós um coração generoso e aberto, capaz de se deixar maravilhar com as propostas de felicidade feitas pelo Senhor.

Uma pedagogia

É de notar que os EE não são um curso, nem um retiro com tempos de palestras e oração, nem uma dinâmica de pequenos grupos, mas uma experiência pessoal de relação própria e com o Senhor. Tudo se estrutura em função deste objectivo. Pelo que os protagonistas são aquele que os faz (exercitante) e o Senhor. Qual é então o papel do orientador (sacerdote, religioso/a, leigo/a)? É a de um facilitador, termo utilizado na América do Sul e que expressa bem a tarefa. Ele/a propõe as matérias a contemplar e acolhe o exercitante neste processo de aprofundamento relacional.

Os EE completos estão organizados para trinta dias, mas não se assustem, pois Santo Inácio previu várias modalidades em tempo e formato. Os mais comuns são os de três ou quatro dias e os de oito dias. Para começar, o reservar um fim de semana para saborear este encontro não é tempo que não esteja acessível à maior parte das pessoas. Esta experiência espiritual está aberta a todos os cristãos e até, como tem acontecido algumas vezes, a não cristãos. Uns e outros têm aqui a possibilidade de descobrir ou aprofundar a relação com Deus.

Para os jesuítas os EE e as Constituições da Companhia de Jesus são a matriz da nossa pertença a este corpo apostólico que serve a Igreja. O património espiritual que herdámos de Santo Inácio constitui a fonte que alimenta a nossa vida espiritual, a vida de comunidade e a vida apostólica. E convencidos como Santo Inácio de que outros muito podem beneficiar com a experiência dos EE, é um desafio para todos nós proporcioná-los ao maior número de pessoas. Confesso que sinto como um privilégio o orientar EE.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.