Estamos aqui!

Margarida Corsino é professora e apresenta-nos um olhar de quem vive a escola por dentro, de quem preparara o arranque do ano letivo em lugares onde, às vezes, nem o comboio nem a rede expressos chegam.

Margarida Corsino é professora e apresenta-nos um olhar de quem vive a escola por dentro, de quem preparara o arranque do ano letivo em lugares onde, às vezes, nem o comboio nem a rede expressos chegam.

Com o início do ano lectivo, temos podido ler uma série de textos de opinião sobre os professores e a sua prática lectiva. Muitos, numa leitura feita de fora, a partir de números e políticas educativas. Talvez quem está a preparar-se e a preparar o novo ano, a partir de dentro, possa apresentar um olhar diferente.

Os espaços de sempre estão limpos. Cheiram a ano novo. As senhoras e o sr. Jorge, mais uma vez, se esmeraram. Embora a limpeza não esconda a idade e o desgaste das paredes, das carteiras e dos bancos, aqueles lugares fazem-me sentir acolhida por tantas vidas e histórias que por ali passaram. Os meus ouvidos e o meu coração preparam-se para ouvir e acolher ‘os meus pais e os meus tios estudaram aqui…’, ‘sabe que também foi professora da minha madrinha?’ Sorrio e penso que estou a ficar velha…

Não chego sozinha. Os outros cento e poucos professores do Agrupamento chegam comigo. Entre beijos e abraços e tentar perceber como foram as férias, os decretos-lei e as portarias começam a ser tema de conversa. ‘Já leste o 54 de 2018? E o 55? E a Cidadania e o Desenvolvimento? E as Aprendizagens Essenciais?’ Para já, a luta pela contagem do tempo de serviço parece não ser o mais importante. Há novos desafios que exigem respostas. E o tempo não é assim tanto… As aulas estão aí!

Com o passar dos dias e o avançar das reuniões, as pequenas mesas redondas da sala de professores vão-se enchendo de grandes folhas brancas rodeadas de pequenos grupos de professores, de lápis e borracha na mão, escrevendo, sublinhando e riscando propostas para que, com tudo aquilo que nos é pedido (e com o qual concordamos mais ou menos) e mesmo com as nossas limitações, desenhemos o melhor que nos é possível oferecer aos nossos alunos. Porque podemos fazer a diferença nas suas vidas.

Neste momento, as perguntas são outras: ‘quem conheces que possa vir cá falar de tal tema? E daquele outro? Olha, que te parece, este ano, juntarmos Rothko e a escrita de texto poético? Conheces aquele programa mesmo bom para as apresentações? Este ano, estou a pensar pedir-lhes umas apresentações diferentes de resoluções de exercícios.’ Nestes momentos, a nossa formação científica e tudo o que somos e nos apaixona parecem fundir-se, procurando servir aqueles que nos serão confiados este ano, procurando o seu desenvolvimento integral. Para que, a cada dia, possam, eles mesmos, desenhar (escrevendo e riscando) o seu futuro!

É isto! Voltámos há pouco mais de uma semana à escola, mas já tanta coisa se passou. Já estamos lá. E os nossos alunos chegam 6ªfeira. Com mais ou menos sonhos. Com maior ou menor vontade. Mas penso que, no seu íntimo, esperam que nós também já estejamos lá. Inteiros. À sua espera.

A minha escola fica num local onde nem o comboio nem a rede expressos chegam. Como tantas outras. Mas nós arranjamos maneira de, a cada dia, mesmo com geada e neve no caminho, lá chegar. Muitas das vezes, juntos. E prontos a dizer aos nossos alunos: estamos aqui!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.