Escritor – Juan Manuel de Prada

Na sugestão cultural da revista Brotéria desta semana, Carlos Maria Bobone ajuda-nos a conhecer o escritor espanhol Juan Manuel de Prada.

Na sugestão cultural da revista Brotéria desta semana, Carlos Maria Bobone ajuda-nos a conhecer o escritor espanhol Juan Manuel de Prada.

Juan Manuel de Prada é provavelmente um dos fenómenos mais impressionantes da literatura contemporânea. Já foi um escritor de culto, daqueles de escaninho erudito, quando lançou o seu primeiro livro (cujo nome é impróprio de grafar numa revista séria); já foi uma gigantesca esperança das letras espanholas, quando o seu A Tempestade, uma espécie de policial pulp à volta de um quadro de Ticiano, ganhou o prémio Planeta; já foi apresentador de um programa de televisão dedicado ao pensamento, já foi crítico literário, cronista político, repórter e tudo quanto se possa conceber em volta da vida literária.

Como romancista, a sua principal actividade, é notável o leque temático e estilístico. Embora tenha sempre a linguagem barroca que o impôs como uma espécie de herdeiro oficioso de Góngora, embora haja sempre uma predilecção pela bufaria popular contra as personagens arrumadas, embora se note sempre o gosto pelo jogo com a tradição e com figuras literárias, os romances são muito diferentes. Dos temas tradicionais espanhóis, como a Guera Civil Espanhola em O Sétimo Véu, a alguns contos cifrados sobre o meio literário, como em O Silêncio do Patinador, de professores universitários e polícias, da Tempestade, a Santa Teresa de Ávila, a produção literária de Juan Manuel de Prada passa por quase todo o lado.

 

A produção literária de Juan Manuel de Prada passa por quase todo o lado.

Carlos Maria Bobone

Nas crónicas que publica no ABC sobre escritores esquecidos (e onde publicou uma sobre o nosso António Ferro), aliás, percebe-se o seu imaginário: embora Juan Manuel de Prada seja visto como o mais encartado reaccionário, os escritores que evoca são muitas vezes comunistas, feministas, boémios loucos e uma longa gama de figuras secundárias de quem Prada consegue tirar o mais romanesco.

É curiosa a forma como a sua óbvia ortodoxia doutrinária, que se nota em todos os artigos de opinião e que o leva a defender corajosamente mesmo as mais incómodas posições da Igreja, pouco transparece para a sua produção romanesca. Os romances de Prada não são, nem por sombras, romances de tese, provas ficcionadas de uma qualquer opinião ou doutrina disfarçada de personagem; Prada é um romancista católico como um sapateiro católico, que não faz sapatos católicos mas os melhores sapatos que consegue. É, aliás, admirável a forma como Prada consegue velar o seu pendor ideológico para umas ou outras personagens: num tempo em que os romances são tantas vezes facciosos sem sequer o notarem, num tempo em que é difícil encontrar uma posição menos ortodoxa sensatamente defendida, os romances de Prada têm o mérito de, sem nunca se arrogarem como oráculo de tolerância, serem o lugar de convívio entre as opiniões mais diversas.

Os romances de Prada não são, nem por sombras, romances de tese, provas ficcionadas de uma qualquer opinião ou doutrina disfarçada de personagem; Prada é um romancista católico como um sapateiro católico, que não faz sapatos católicos mas os melhores sapatos que consegue.

Carlos Maria Bobone

Juan Manuel de Prada, na sua actividade nos jornais, tem-se dedicado como poucos a alguns temas de pensamento que pareciam esquecidos. Desde os males do progressismo ao valor da tradição, do problema do divórcio à ideia de autoridade, Prada gosta de falar de valores perenes, não de política diária. Tem, claro, alguns artigos mais condicionados pela actualidade (como uma belíssima reportagem sobre a Roma cheia de católicos no dia da morte de João Paulo II) e artigos ao género de um escritor, não tão doutrinários (como uma ode ao vinho branco, muito curiosa, e um comovente texto sobre o dilema de usar ou não beca espanhola).

Em tudo se nota o gosto pela polémica e pelo lado pouco visto das coisas, responsável, segundo o próprio, pela sua conversão, e o prazer linguístico que torna mesmo os seus textos mais pequenos uns monumentos barrocos de prosa espanhola. Quem não gostar dos romances tem as crónicas, quem não gostar das crónicas tem as reportagens; mas Juan Manuel de Prada escreve tanto e de tantas formas, que é difícil não gostar de alguma coisa.

Este artigo foi originalmente publicado no caderno cultural da revista Brotéria de janaeiro.

Livros em português: aqui

 

Foto de Capa: https://juanmanueldeprada.com/

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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