Era uma vez um judeu, um muçulmano e um cristão. Não querendo defraudar expectativas, este artigo não se trata da tradicional anedota sobre religiões, referindo-se antes a um programa de diálogo inter-religioso (ver vídeo), que decorreu entre 16 e 23 de dezembro, desenvolvido pela London School of Economics and Political Science. Programa que tinha por objetivo promover a religião como um meio de reconciliação e resolução de conflitos. Para o efeito, durante uma semana, um grupo de alunos esteve em Israel e na Palestina, a visitar locais sagrados e a reunir com ativistas empenhados na resolução do conflito israelo-palestiniano. Desta experiência profunda de encontro, destaco a dimensão espiritual, o diálogo inter-religioso e a aproximação ao conflito israelo-palestiniano.
Uma ida à Terra Santa é sempre um momento marcante para judeus, muçulmanos e cristãos. Os judeus no muro das lamentações, os muçulmanos na mesquita de Al-Aqsa e os cristãos no Santo Sepulcro, ao visitarem alguns dos locais com mais significado para a sua religião, têm a oportunidade de se sentirem especialmente ligados ao credo que professam, mas são também desafiados na sua fé. Acreditar que o muro das lamentações é o muro ocidental do segundo Templo de Jerusalém, que o profeta Mohamed ascendeu aos céus na rocha que jaz por baixo da Cúpula da Rocha ou que Jesus foi crucificado, ungido e sepultado na agora Igreja do Santo Sepulcro, exige fé.
A ida ao Santo Sepulcro representou uma bonita analogia com a forma como vejo a fé. Por um lado, apesar dos fortes indícios históricos, não é unanimemente aceite que a Igreja do Santo Sepulcro se encontre no exato local onde Jesus foi crucificado, ungido e sepultado, os cristãos escolhem acreditar que assim foi. Por outro lado, embora historicamente provado que entre os anos 30 e 33 d.C. existiu um homem que mobilizou multidões na Terra Santa, para acreditar que esse homem é Deus é necessária fé.
No que diz respeito ao diálogo inter-religioso e ao aprofundamento do conhecimento e respeito pelas outras religiões, saliento o conceito de “santa inveja”, ao qual fomos introduzidos no início do nosso programa. Para o efeito, “santa inveja” significava identificar aspetos ou práticas das outras religiões que admirávamos, embora não existentes na nossa própria religião.
Desta forma, relativamente ao Islão, gostaria de elogiar a fidelidade à oração, é notável o facto de um muçulmano rezar cinco vezes ao dia. Destaco ainda o conhecimento do Corão por parte dos muçulmanos, que o recitam de cor nas suas orações. Do Judaísmo, gabo a forma como vivem o seu dia santo semanalmente. Foi uma experiência inesquecível viver os ritos do Shabbat no seio de uma família judaica, que se abstém de processos produtivos, tais como trabalhar ou estudar, de forma a dedicar o seu dia exclusivamente a Deus e à família. A não utilização de objetos elétricos como o computador, a televisão ou o telemóvel representa ainda uma grande ajuda ao aprofundamento das relações pessoais no século XXI.
Foi uma experiência inesquecível viver os ritos do Shabbat no seio de uma família judaica, que se abstém de processos produtivos, tais como trabalhar ou estudar, de forma a dedicar o seu dia exclusivamente a Deus e à família.
No que concerne ao conflito israelo-palestiniano, falamos de uma região com duas nações completamente distintas – das quais a língua ou a religião são exemplos ilustrativos – mas um só país. Um país com um estado judaico, que prevê na lei um tratamento diferenciado para judeus e árabes. Uma região que, há mais de 70 anos, vive diariamente um clima de medo provocado por um conflito com incontáveis perdas para ambos os lados. Um conflito promovido por duas narrativas opostas, narrativas que reclamam para si a Terra Santa na sua totalidade, narrativas que não se reconhecem mutuamente e que não preveem espaço para o outro.
Não obstante a enorme complexidade do assunto em apreço, poderá dizer-se que a superação de um conflito desta escala requer boas lideranças, das quais são exemplos Gandhi ou Nelson Mandela, mas que em nada se assemelham os líderes israelitas cada vez mais extremistas e nacionalistas ou os líderes palestinianos que promovem ou compactuam com atos de terrorismo e corrupção. Termino com uma palavra de esperança nas pessoas que em ambos os lados do conflito estão empenhadas na sua resolução. Pessoas que começam a construir uma terceira narrativa, uma narrativa que se funda em dois pressupostos fundamentais para a resolução do conflito: pedir perdão pelo sofrimento infligido ao outro e reconhecer a outra parte e os seus legítimos interesses.
Da graça que representou esta experiência, fica o desejo de ver esta terceira narrativa ser assumida mais vezes, não só no conflito israelo-palestiniano, mas em todo o mundo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.