Os próximos meses serão marcados pelas eleições legislativas. No dia 10 de março, diante das diversas propostas políticas, cada eleitor será chamado a escolher aquela que, em seu entender, melhor responde às necessidades e desafios que o nosso país enfrenta atualmente.
A Doutrina Social da Igreja (DSI) deverá ser para um cristão uma lente imprescindível de análise que o ajude nas suas escolhas. Mas o que é a DSI e como nos pode ajudar nas nossas opções políticas?
Um dos modos de entender a DSI é partindo do seu objeto, que pode ser definido como a reflexão crítica sobre as estruturas sociais existentes e a ação coletiva que tem em vista a reforma dessas estruturas ou a criação de novas estruturas. Essa reflexão é motivada por duas perguntas: Que estilo de ser humano queremos construir? Como deve ser a vida em sociedade segundo a fé cristã?
De modo a levar por diante a sua reflexão, a DSI serve-se de diversas fontes. Em primeiro lugar deve ser considerada a Sagrada Escritura e a Revelação, ou seja, o modo como Deus se revela ao ser humano ao longo da História da Salvação e, simultaneamente, como nos manifesta como podemos ser verdadeiramente humanos. Neste caso, importa referir que se queremos que a Bíblia ajude à reflexão temos de aprender a fazer as perguntas certas. Seguramente, não iremos encontrar na Sagrada Escritura nenhuma resposta direta sobre Inteligência Artificial, mas poderemos certamente encontrar respostas sobre a necessidade de assumir responsabilidades pelos nossos atos, ou sobre a importância de nos reconhecermos como criaturas, não pretendendo, por isso, ocupar o lugar do criador.
Uma outra fonte da DSI é o uso da razão enquanto capacidade para discernir na criação a Lei Natural. Isto pressupõe o reconhecimento de que o Universo foi criado por Deus com um determinado propósito, devendo o ser humano encontrar os meios adequados para colaborar com essa finalidade. O valor sagrado da vida humana é um dos princípios fundamentais desta Lei Natural.
Partindo destas duas fontes, a Igreja foi desenvolvendo uma Tradição que vai procurando responder às questões éticas e sociais que vão surgindo em cada momento da História (O P. Miguel Gonçalves Ferreira fez, recentemente no Ponto SJ, uma boa síntese dessa tradição). Finalmente, é possível identificar a experiência humana e a leitura dessa experiência a partir das diversas ciências sociais. Estas são uma fonte significativa para uma DSI que queira partir da realidade e estar em fidelidade com a leitura dos sinais dos tempos.
Um dos modos de entender a DSI é partindo do seu objeto, que pode ser definido como a reflexão crítica sobre as estruturas sociais existentes e a ação coletiva que tem em vista a reforma dessas estruturas ou a criação de novas estruturas. Essa reflexão é motivada por duas perguntas: Que estilo de ser humano queremos construir? Como deve ser a vida em sociedade segundo a fé cristã?
Princípios da Doutrina Social da Igreja (DSI)
Os princípios da DSI não foram definidos num único documento ou pronunciamento, mas a sua identificação resulta de uma leitura do que a Igreja foi dizendo ao longo dos tempos e do modo como os diferentes valores foram sendo conjugados nesses pronunciamentos.
O primeiro princípio da DSI é o da dignidade da pessoa humana, do qual deriva o princípio do bem comum. A este princípio estão vinculados outros dois princípios fundamentais: o da solidariedade e o da subsidiariedade.
A dignidade da pessoa humana implica o reconhecimento da inviolabilidade da vida humana desde a conceção até à morte natural. Importa aqui sublinhar que o respeito e a defesa da vida não se circunscrevem aos momentos do início e do fim da vida, mas implicam criar todas as condições para que, em todos os momentos da sua vida, cada pessoa possa ver garantidas as condições para uma vida plena. Neste sentido, o combate à pobreza, à violência doméstica ou o tráfico humano, como tanto tem sublinhado o Papa Francisco, são exigências pelas quais devemos lutar.
Importa sublinhar que a defesa da dignidade da pessoa humana não autoriza visões individualistas. Efetivamente, este princípio tem uma dimensão relacional, que se expressa na ideia do bem comum e que se compreende ao explicitar o significado da solidariedade e da subsidiariedade.
O primeiro princípio da DSI é o da dignidade da pessoa humana, do qual deriva o princípio do bem comum. A este princípio estão vinculados outros dois princípios fundamentais: o da solidariedade e o da subsidiariedade.
Solidariedade: “(…) é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos. Esta determinação está fundada na firme convicção de que as causas que entravam o desenvolvimento integral são a avidez do lucro e a sede de poder. Estas atitudes e estas «estruturas de pecado» só poderão ser vencidas — pressupondo o auxílio da graça divina — com uma atitude diametralmente oposta: a aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para «perder-se» em benefício do próximo em vez de o explorar, e para «servi-lo» em vez de o oprimir para proveito próprio.“ (Papa João Paulo II, (Sollicitudo rei socialis, 38)
À solidariedade estão ligados mais dois princípios: Destino universal dos bens e opção preferencial pelos pobres.
De acordo com o Papa João Paulo II, o destino universal dos bens é o “primeiro princípio de toda a ordem ético-social” (Laborem exercens, 19). De acordo com este princípio, a sociedade deve organizar-se de modo a que os bens da criação possam chegar a todos, garantindo que cada pessoa recebe o necessário para viver com dignidade. A este princípio deve estar ordenada a propriedade privada, que não é um absoluto, mas que deve ser usada como meio que garanta o Destino Universal dos Bens.
No que se refere à opção preferencial pelos pobres, esta exigência foi assumida pela primeira vez em 1979 pela Conferência Episcopal Latino-americana. Em 1991, na encíclica Centesimus annus, João Paulo II assume esta opção como parte da DSI (11) sublinhando que esta não abrange apenas a pobreza material, mas também a pobreza cultural e religiosa (57).
Quanto à subsidiariedade, o seu sentido foi bem expresso por Pio XI na encíclica Quadragesimo anno: “permanece contudo imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los“. No que se refere à subsidiariedade, ela pode ser entendida em dois sentidos. O sentido positivo estabelece a necessidade de uma esfera superior ir em auxílio dos indivíduos ou de uma organização inferior, quando estes não têm meios ou capacidades para atingir determinado objetivo. Já o sentido negativo determina a não intervenção quando cada indivíduo ou organização podem tomar iniciativa. O respeito pela esfera da ação familiar ou mesmo de organizações sociais, sem a constante interferência do Estado, deduz-se deste princípio.
Bem articulados, os princípios da Solidariedade e da Subsidiariedade garantem tanto o respeito pelo bem comum como o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Para além destes princípios há ainda dois princípios complementares (não absolutos): a colaboração (diálogo) é preferível à luta (conflito) e a reforma é preferível à revolução. Finalmente, podemos ainda mencionar quatro princípios formulados pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium com vista à prossecução da paz e do bem comum: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante do que a ideia; o todo é superior à parte.
E agora?
Conhecer estes princípios não nos diz de um modo taxativo quais devem ser as nossas opções políticas. Mas certamente que há um quadro que podemos estabelecer como essencial.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.