Habituámo-nos à ideia de que em Tribunal há um vencedor e um vencido. No entanto, perante processos de Direito da Família, mais concretamente Direito das Crianças, essa máxima não pode ser verdade. Infelizmente, o divórcio e as “lutas pela guarda dos filhos” são frequentes no nosso dia-a-dia, mas a forma como podem ser tratados aparece, muitas vezes, enviesada e “telenovelada”. Importa, por isso, perceber do que estamos a falar quando nos referimos ao Direito das Crianças quando os Pais estão separados, e temos de ter presente a actualidade processual em Portugal.
1. Os Tribunais são os Pais
Os processos em Tribunal, nesta área, são caracterizados por serem processos de jurisdição voluntária, onde estamos perante uma prevalência da discricionariedade judiciária sobre a legalidade estrita, ou seja, o Juiz tem uma maior liberdade para actuar conforme o caso concreto. É aceite que “os juízes possam assumir uma leitura mais abrangente da lei e gerir os procedimentos, ou tomar decisões, com alguma liberdade e em função da sua própria sensibilidade, tendo em conta as propostas dos procuradores e até mesmo das partes interessadas”. (Publicações Fundação Francisco Manuel dos Santos).
Um casal que se separa, relativamente aos filhos, ou alcança um acordo, ou não alcança um acordo.
Alcançando um acordo, poderão ir à Conservatória do Registo Civil ou requerer ao Tribunal que homologue este acordo, para que o mesmo seja revestido de força legal. O acordo não implica que os Pais o tenham que cumprir escrupulosamente no caso de concordarem noutros termos. No melhor dos cenários, este nunca será consultado, e fica perdido numa gaveta, pois os Pais não precisam de ir ao “livro de instruções” para saber o que é melhor para os filhos. Não existindo acordo, o Tribunal apresenta-se como o meio mais adequado para encontrar uma solução justa para as Crianças que, por maioria de razão, será também a solução justa para os Pais. Importa frisar que a regra é a vontade dos Pais. Não há nenhuma lei que imponha um regime. Isto é, quando um casal se separa, não há nada que force um regime de fins-de-semana alternados ou de semanas alternadas. A Criança tem tanto direito a estar com o Pai como com a Mãe.
Não existindo acordo, o Tribunal apresenta-se como o meio mais adequado para encontrar uma solução justa para as Crianças que, por maioria de razão, será também a solução justa para os Pais. Importa frisar que a regra é a vontade dos Pais.
2. Afinal, como se processa o processo?
Quando os Pais não se entendem, e recorrem ao Tribunal, inicia-se uma Acção de Regulação das Responsabilidades Parentais (RRP), que tem os seus trâmites próprios, tendo como único objectivo o Superior Interesse da Criança.
Resumidamente, os Pais serão citados para comparecer numa Conferência de Pais, onde estarão acompanhados por Juiz e Procurador do Ministério Público (não é obrigatória a constituição de Advogado). Esta diligência que, na maioria das vezes, decorre no gabinete do Juiz, é pautada pela informalidade e nela se tenta definir o tempo que a Criança passará com cada um dos Pais e a pensão de alimentos. O objectivo será o de se conseguir um acordo entre os Pais. Se esse acordo não for obtido na sua totalidade, o Juiz fixa um regime provisório e remete as partes para um de dois cenários: i) mediação ou ii) audição técnica especializada (ATE).
3. A troika que ajuda as Crianças: Tribunal, Mediação e ATE
Em ambos os mecanismos, é solicitada uma intervenção externa, habitualmente dos serviços da Segurança Social, para apoiar o Juiz na obtenção de soluções consensuais entre as partes e ajudar a Criança no exercício do seu direito à participação neste contexto.
A mediação implica um trabalho e esforço conjunto para alcançar um acordo, pois pretende-se que as partes em litígio procurem negociar as questões que as afastam e alcançar um acordo que as satisfaça, tendo em conta o Superior Interesse da Criança.
A audição técnica especializada funciona como uma “continuação” da Conferência de Pais, mas com uma abrangência substancialmente maior, pois pode também incluir uma avaliação da situação actual de cada um dos Pais, analisando, por vezes, a relação de cada um com a Criança, podendo esta ser ouvida no âmbito deste processo.
No entanto, o facto de envolver outras entidades no processo – que não só Juiz e Procurador – tem como resultado os Tribunais ficarem dependentes da capacidade de resposta desses intervenientes adicionais. Aqui, vai mal a Lei quando prevê novos mecanismos obrigatórios, mas não prevê que os serviços externos tenham um reforço de profissionais para responder a tantas solicitações.
Se, finalizada a mediação ou a audição técnica especializada, os Pais não chegarem a um consenso, o processo seguirá para julgamento.
São raros os processos de RRP que terminam em julgamento. E não é pela morosidade dos Tribunais. Não. Na maioria das vezes não se chega à fase de julgamento porque o objectivo do Tribunal é conciliar, não decidir. Pretende-se que os Pais percebam o que podem fazer, e ceder, para que os filhos possam crescer o melhor possível e com mais Família.
4. Sobre a petição que era necessária, mas a presunção que não o é
Perante este processo relatado, não cremos que exista a necessidade de ser criada a presunção prevista pelos subscritores da “Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para Crianças de pais e mães separados ou divorciados”, isto porque, tal como mencionado supra, enquanto não existir nenhuma decisão, ainda que provisória, a Criança tanto direito tem a estar com o Pai, como com a Mãe. Ou existe alguma lei que dá um direito de preferência à Mãe baseado na biologia?
A petição tem o principal benefício de nos fazer pensar; de trazer para a sociedade uma realidade que já existe, mas que a comunidade não conhece.
Em divergência com esta petição foi escrita a “Carta Aberta de Oposição à Petição em Prol da Presunção Jurídica da Residência”, que peca por tratar a questão de orma desonesta e preconceituosa, fazendo crer que o Pai é sempre um potencial agressor e que mais vale prevenir do que remediar, mas sobre esse ponto já escreveu, na mouche, Luís Aguiar-Conraria. Na referida carta, as 12 associações feministas evidenciam que o regime da residência alternada só está ao alcance de um determinado grupo de famílias onde existem, cumulativamente, determinados requisitos, a saber:
a) Ausência de suspeita ou indícios de violência doméstica e de abuso sexual de Crianças intrafamiliar; b) ausência de conflitualidade entre os pais; c) proximidade geográfica; d) capacidade de cooperação elevada entre os pais; e) modelos educacionais centrados na Criança, em que esta é parte integrante da forma como os pais organizam a logística da alternância; f) compromisso de ambos os pais para fazer com que a parentalidade partilhada e a residência alternada funcionem; g) ambos os pais devem gozar, no seu local de trabalho, de práticas laborais amigas da família; h) estabilidade financeira de ambos; i) confiança de cada um dos pais na competência do outro como progenitor.
Quando existe suspeita ou indícios de violência doméstica e de abuso sexual de Crianças intrafamiliar, pode o regime a aplicar ser os fins-de-semana alternados? Isto é, a suspeita de violência deverá impedir unicamente o regime das semanas alternadas? Obviamente que não. Existindo estes indícios as Crianças não devem ter contacto com quem as agride. Ponto. Independentemente do regime que se queira aplicar.
Podemos perceber a falibilidade destes critérios quando olhamos para o primeiro critério elencado, pois temos que nos perguntar: Quando existe suspeita ou indícios de violência doméstica e de abuso sexual de Crianças intrafamiliar, pode o regime a aplicar ser os fins-de-semana alternados? Isto é, a suspeita de violência deverá impedir unicamente o regime das semanas alternadas? Obviamente que não. Existindo estes indícios as Crianças não devem ter contacto com quem as agride. Ponto. Independentemente do regime que se queira aplicar.
Os critérios prosseguem para a ausência de conflito entre os Pais como uma condição sine qua non para a aplicação do regime das semanas alternadas. Mais um critério que poderá ser dispensável tendo em conta que, se um dos Pais não pretendesse o regime, simplesmente prolongaria o conflito como escudo de defesa. Portanto, a aplicação deste critério levaria exactamente ao contrário do que se pretende.
Por fim, entendem que a estabilidade financeira deve ser imprescindível. Falso. O Tribunal pode entender o regime adequado é o da residência alternada e, mesmo assim, fixar um valor de pensão de alimentos.
Mais uma vez, é o Superior Interesse da Criança que orienta as decisões proferidas.
5. “O melhor do mundo são as crianças”
“O pressuposto de partida deve ser aquele que salvaguarde o direito de a criança poder interagir e, desta forma, estabelecer e fortalecer vínculos afectivos com ambos os pais”, explicam-nos Alexandra Anciães e Rute Agulhas. Os Pais têm que conseguir destrinçar o essencial do acessório, concentrando-se nos seus filhos e não nas suas guerras.
Do que conhecemos (distrito de Lisboa), as semanas alternadas são já uma realidade e podemos assegurar que o preconceito de género se está a dissipar, sendo raros os Pais (homens) que, interessados pelos filhos, sejam empurrados, e forçados, para serem Pais de 15 em 15 dias.
De nada vale a lei se não existir esforço e empenho e a sociedade precisa deste cuidado de cada um, para termos melhores pessoas, melhores casais, melhores pais e menos leis.
Nestes processos nenhuma Criança pode sair vencida, porque, no limite, perde a sociedade, isto é, perdemos todos nós.
Nota: por indicação do autor o texto não segue o acordo ortográfico em vigor.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.