Namorar faz bem e recomenda-se, e hoje é o dia de comemorar isso mesmo (com ou sem bombons em forma de coração, consoante o gosto). Procurando “namorar” no dicionário encontramos “andar de namoro, requestar, seduzir, encantar, cobiçar …”, o que soa extremamente redutor. Como se o pack não trouxesse também uma batelada de desentendimentos e complicações, e fossem só serenatas à janela… E que bons são os desentendimentos e as complicações! Constroem caminho.
O nosso namoro não foi especialmente longo e menos ainda foi penoso, mas foi um namoro muito conversado e muito debatido entre os dois (não fosse a Matilde psicóloga e não tentasse ela teorizar acerca dos motivos subjacentes a tudo e mais um par de botas). E, de quem olha para o caminho feito, parece-nos que o que nos trouxe até ao presente foi uma regra que estabelecemos implicitamente desde o princípio – falar sempre, falar de tudo e falar sem medos. Mas esta regra implicou-nos uma condição essencial: quem fala tem de se sentir acolhido, sem amuos por ouvir coisas que não apeteciam e sem julgamentos. Não é sempre fácil, mas dá frutos.
Procurámos sempre trazer os valores de Cristo para o nosso namoro. A misericórdia, o amor, a esperança, a humildade… Mas tudo isto é contrário àquilo que a sociedade nos apregoa.
Construímos o início da nossa relação a 5000 km distância, por videochamadas e mensagens, o que obriga ao diálogo por falta de alternativas. Aos 7 meses de namoro, entrámos para o Damas e Valetes (grupo de namorados promovido pelo CUPAV), o que nos obrigou a criar momentos de paragem para comunicarmos sobre a nossa comunicação, rezarmos sobre a nossa oração, e parar para olhar o caminho feito e recomeçar. É impressionante como podemos andar anos sem falar sobre assuntos tão fundamentais, como a infertilidade ou as expectativas de futuro, se ninguém nos disser “agora vão os dois para casa falar sobre isto”. Do Damas e Valetes, ficaram-nos dois pontos principais. O primeiro: às vezes achamos que somos os únicos no mundo a sentir X ou Y, mas não somos. E a identificação com outros faz, muitas vezes, metade do caminho. O segundo: antes de ser casal, somos sozinhos. Por isso, e por mais que digamos à boca cheia que nunca seremos iguais aos nossos pais, foi essencial para nós trazer ao de cima as nossas histórias e as nossas heranças. Elas estão cá e vão definir boa parte daquilo que somos, seja por acabarmos a fazer igual, seja por procurarmos afincadamente fazer diferente.
Namorar faz muito bem e recomenda-se vivamente. No entanto, vivemos num tempo de alterações enormes não só no rumo que se espera de uma relação amorosa, mas também no próprio conteúdo. Procurámos sempre trazer os valores de Cristo para o nosso namoro. A misericórdia, o amor, a esperança, a humildade… Mas tudo isto é contrário àquilo que a sociedade nos apregoa. Os casais de hoje são filhos de uma sociedade divorciada. Um lado mais expansivo, puxa-nos ao libertinismo, ao prazer instantâneo, ao descarte. Diz-nos “não lutes por algo que já não dá gozo. Olha só quantos divórcios, não te metas nisso do casamento!”. O outro é mais discreto, mais ponderado. Só conversando calmamente nos transmite os seus argumentos. Diz-nos que tenhamos esperança, que nem sempre é bom, mas nem por isso deixa de valer a pena. Procuramos namorar de olhos postos no segundo, mas a persuasão do primeiro tolda o caminho.
Acreditamos que o namoro vale a pena no sentido em que se preveja um fim: pode acabar porque percebemos que o futuro não passa por ali ou acabar porque decidimos dar o passo de casar.
Tivemos a sorte de testemunhar casamentos felizes. Acreditamos que o namoro vale a pena no sentido em que se preveja um fim: pode acabar porque percebemos que o futuro não passa por ali ou acabar porque decidimos dar o passo de casar. Ambos valem igualmente a pena e, em qualquer um dos casos, estarmos rodeados de amigos com valores semelhantes torna o caminho mais leve. Ainda assim, sentimos que a sociedade não só argumenta o porquê de não valer a pena o compromisso, como parece querer montar o cenário para que vacilemos. Construímos e vimos amigos construírem namoros maduros, sólidos, consistentes, que tinham todos os dados para decidir dar o passo. Mas… não há trabalho, ou o trabalho é tão precário que não paga uma renda, ou paga este mês mas no seguinte não há garantias. Acabamos por deixar passos demasiado importantes em stand-by à espera que se reúnam as condições perfeitas. Mas existirão condições mais perfeitas do que uma decisão amadurecida de querer partilhar todos os dias da nossa vida com alguém? Procuremos o equilíbrio: que não seja a procura das condições perfeitas a estagnar-nos, e que não queiramos também apressar um tempo tão frutífero e feliz como é o de namoro.
Afinal, diga a sociedade o que disser, não há melhor do que tudo o que o namoro implica. A felicidade de caminhar ao lado de alguém que conhece todas as minhas fraquezas e fragilidades e que, mesmo assim, decide amar-me não é comparável a nada que tenhamos experimentado até aqui. Aquilo que edificámos permite-nos construir sonhos que são partilhados. Conhecer a espiritualidade do outro e ser parte ativa da concretização da sua vocação. Sermos sicómoro um do outro para que o outro se possa elevar em nós para ver Jesus. E se o caminho for feito com esta meta, por mais vezes que falhemos, valerão a pena os desentendimentos e complicações. Namorar faz bem e recomenda-se. E hoje é o dia das serenatas à janela, dos bombons em coração e dos jantares à luz das velas!
Viva o amor!
Fotografia de Etienne Boulanger – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.