Descansar como Deus descansou

A arrogância de julgarmos não precisar do descanso deixa-nos reféns de uma vida vazia, sem sentido. Tudo é de Deus: o trabalho e o descanso. Que seja prioridade tanto um como outro e que a vida rime sempre com o sossego que é o amor do Pai.

A arrogância de julgarmos não precisar do descanso deixa-nos reféns de uma vida vazia, sem sentido. Tudo é de Deus: o trabalho e o descanso. Que seja prioridade tanto um como outro e que a vida rime sempre com o sossego que é o amor do Pai.

Vivemos em piloto-automático. Mergulhamos os nossos dias numa correria cega, absoluta e imparável. Julgamo-nos super-heróis. Capazes de combinar um ritmo de profunda produtividade, com exímia competência. Sem nunca ousar pôr o pé no travão, aceleramos a todo o custo, sem pensar nas consequências dessa falta de pausas, de descanso e, até, de reflexão sobre o nosso caminho interior.

Qual a razão para não nos darmos o sossego que merecemos? Quais os motivos para não nos permitirmos o descanso?

A verdade é que o mundo nos quer fazer acreditar que o descanso é para os fracos. Para os que são preguiçosos; para os que não honram o trabalho e para os que têm vidas que não rimam com o profissionalismo e a capacidade. Esta ilusão que os outros nos dão e nos “vendem”, de tantas e diferentes formas, não passa de uma distração do essencial. De uma tentativa de não nos deixar pensar que o mais importante não está no ritmo frenético, nas checklists todas cumpridas ou nas tarefas feitas em tempo recorde e sempre em modo de “para ontem”. O mais importante está, precisamente, na capacidade de saber equilibrar o tempo de trabalho e de produtividade com o tempo de descanso e de sossego. Obviamente não faria sentido passar a vida toda a descansar, tal como não pode fazer sentido passar a vida (apenas) a trabalhar e a cumprir objetivos.

A verdade é que o mundo nos quer fazer acreditar que o descanso é para os fracos. Para os que são preguiçosos; para os que não honram o trabalho e para os que têm vidas que não rimam com o profissionalismo e a capacidade.

Pensemos no exemplo de Deus. Colocou a sua raiz e a sua luz na criação do mundo, para cada um de nós. Deu-nos tudo e deu-Se incondicionalmente. Sem pesos e sem medidas. No entanto, teve (ainda assim) a humildade para se conceder o descanso. Para se permitir um tempo de repouso depois de ter dado tudo. De ter sido tudo.

Vejamos: se até Deus descansou, quem serei eu para me julgar melhor do que Deus?

É preciso (e urgente) normalizar a importância do descanso como uma parte integrante da nossa saúde física e mental. Quando nos concedemos tempos de pausa estamos a ousar viver mais plenamente e, efetivamente, a recuperar forças e ânimo para que, mais tarde, possamos trabalhar melhor, pensar melhor, viver e amar melhor.

Neste tempo que é, para muitos, tempo de descanso e de férias, talvez valha a pena usufruir destes dias sem os colar aos pensamentos sobre o trabalho que ficou lá atrás ou sobre as tarefas que estão, ainda, por vir. Que saibamos educar-nos para contemplar o pôr-do-sol com o mesmo respeito que temos pelo cumprimento de um prazo. Que saibamos desfrutar de um mergulho no mar com o mesmo cuidado que temos com as nossas tarefas diárias. Que saibamos ouvir o som dos pássaros, das ondas que beijam a praia, das crianças que riem por coisa nenhuma com a mesma reverência que temos com uma reunião importante. Que saibamos fechar os olhos enquanto o sol nos doira a pele com a mesma concentração que temos quando lemos um e-mail importante.

A arrogância de julgarmos não precisar do descanso deixa-nos reféns de uma vida demasiado vazia e ausente de sentido. Tudo é de Deus: o trabalho e o descanso. Que seja prioridade tanto um como outro e que a nossa vida rime sempre com o sossego que é o amor do Pai.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.