Da arqueologia do gesto: “Cascata” de Paulo Brighenti

O pintor Paulo Brighenti participa em exposições desde 1990. Atualmente apresenta na galeria Belo-Galsterer, em Lisboa, a exposição "Cascata". Visitar esta exposição é a sugestão cultural da Brotéria para esta semana.

O pintor Paulo Brighenti participa em exposições desde 1990. Atualmente apresenta na galeria Belo-Galsterer, em Lisboa, a exposição "Cascata". Visitar esta exposição é a sugestão cultural da Brotéria para esta semana.

Podemos imaginar Paulo Brighenti em pé junto a uma mesa baixa, comprida e larga, de ferro de engomar na mão, a passar escrupulosamente o vapor por cima de uma grande tela de linho cru, impregnada de cera de abelha misturada com pigmento amarelo.

Também podemos ver Paulo Brighenti no papel de mestre de cerimónias, a convidar jovens alunos, professores, artistas veteranos, curiosos ou até funcionários da autarquia a visitar a escola onde é professor ou a exposição que acaba de montar, vestido habitualmente de azul escuro, discreto, encorajador.

É possível ainda encontrarmos Paulo Brighenti atarefado a domar ervas daninhas, a monitorizar uma panela a transbordar, a levar água às flores, a dobrar roupa.

A sua mais recente exposição, a primeira na Galeria Belo-Galsterer, em Lisboa, fala de tudo isto, na presença de gestos quotidianos, na intencionalidade de uma vida familiar com os objectos, na poesia do dia-a-dia.

“Cascata” parte de uma pintura já exposta no passado, em Almada, uma grande tela amarela trabalhada em encáustica e tinta de óleo, montada por cima de uma parede tingida com pigmentos venezianos (atenção aos visitantes; o pó tende a prender-se à roupa). A começar por aí, Brighenti decide voltar à casa da partida, um jogo que mantém consigo próprio desde os primeiros anos do seu trabalho. Desenhar crânios, caveiras, num exercício de reconfiguração da mão.

É o tal gesto, aquele que se consegue emocionar com o teatro da vida na sua forma mais simples – a erva que cresce no campo – mas que depois também sabe recolher, fechar a porta do atelier, voltar para a tal panela.

Desta vez, apresenta-se uma nova incursão pelo universo da escultura, algo de recente no trabalho do artista. As mãos formam os crânios em massa, concreto, gesso, e novamente os pigmentos a tingir (ou a atingir) as formas enquanto estas ganham expressão. Não é um gesto nostálgico. Pode ser, se se quiser, arqueológico – mais do que uma vez ouvi o artista a falar nesta procura das imagens escondidas dentro da matéria. É como se o objecto, o desenho, a pintura já lá estivessem. O artista está nesta escavação que tenta “trazer para a frente” aquilo que se adivinha escondido.

Assim surgem as cabeças, lembrando resquícios de tempos antigos, civilizações outras: Pompeia, Nápoles, Roma. Delas aparece a linguagem, as folhas de cobre oxidadas, como daninhas ou trepadeiras que teimam em irromper por entre os dentes e bocas destas personagens primitivas.

O jogo é estabelecido nesta relação com a pintura. As telas grandes em encáustica, a “Cascata” que dá nome à exposição: duas grandes telas montadas como uma tapeçaria, um volume a sobrepor-se ao outro criando uma peça única, por sua vez montada também numa parede tingida a pigmento. Na parede oposta, uma série de pinturas mais invernais, tons de pele e preto, vistas dos passeios que o artista faz em torno do seu atelier.

Esta é uma mostra sazonal, que começa, se quisermos, com um calor intenso, que volta atrás no tempo, que mergulha em cascatas, que passeia no bosque, e, por fim, se ri de tudo isto com as duas figuras de Baco, gozando o espectáculo de língua de fora, trocistas. É o tal gesto, aquele que se consegue emocionar com o teatro da vida na sua forma mais simples – a erva que cresce no campo – mas que depois também sabe recolher, fechar a porta do atelier, voltar para a tal panela.

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Vista da exposição CASCATA, de Paulo Brighenti, na Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. © Eduardo Sousa Ribeiro, 2019 Cortesia: o artista e Galeria Belo-Galsterer, Lisboa. Para mais informações: www.belogalsterer.com/cascata.html

Paulo Brighenti (Portugal, 1968), pintor, apresenta uma percurso sólido e de sucesso nacional e internacional, tendo apresentado a sua obra em museus como a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Carmona e Costa, o MAAT, MEIAC e na Nassjö Konstall, na Suécia, bem como em galerias e centros expositivos de Lisboa, Porto, Luxemburgo, Paris e Nova Iorque.

“Cascata” de Paulo Brighenti – Até 27 de Julho

Galeria Belo-Galsterer
Terça a sábado, das 14h às 19h
Rua Castilho, 71, r/c esq (Mapa Google)
Telefone: 213 815 914

http://www.belogalsterer.com

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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