Nesta conversa com o Ponto SJ, o cardeal D. António Marto reconhece que a Igreja foi surpreendida, juntamente com a sociedade, pela crise que estamos a viver e, por isso, estava impreparada para lhe responder. Procurou adaptar-se de forma imediata e “um pouco improvisadamente” aos desafios que se foram colocando, acrescenta o cardeal, destacando a importância das tecnologias e enaltecendo a criatividade de párocos e leigos na vivência da fé e no apoio às carências sociais.
O vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa recorda que os tempos de provação que estamos a viver não são novos na vivência da fé e evoca a experiência bíblica do Exílio do Povo de Deus. Recusa a ideia de que a liberdade religiosa tenha sido colocado em causa, ao mesmo tempo que destaca o exemplo do Papa Francisco que colocou acima de tudo o imperativo moral de salvar vidas. Para D. António Marto, a suspensão pública das celebrações deu testemunho de “um ato evangélico de amor ao próximo.”
Para o bispo de Leiria-Fátima, a experiência de quarentena contribuiu, em alguns casos, para uma maior personalização da fé, para a redescoberta da Palavra de Deus, e da oração em família, de um modo especial através da oração do rosário. “A família revelou-se o grande suporte humano e da fé”, afirma.
O bispo de Leiria-Fátima lamenta o modo como as pessoas foram obrigadas a viver o luto durante este tempo, admitindo que houve mesmo alguma crueldade nos momentos de despedida, enfatizando que o acompanhamento do luto é uma dimensão a que as comunidades cristãs têm de estar muito atentas. D. António Marto alerta ainda para a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o Sacramento e a Palavra, para que não haja uma “sofreguidão pelos ritos” e uma “falta de apetite pela Palavra de Deus”. E acrescenta: “A Eucaristia não pode apagar as outras dimensões da fé”.
D. António Marto não foge às tensões que se viveram dentro da Igreja a propósito de algumas decisões e destaca o bom relacionamento com as autoridades públicas. Sem dramatizar as críticas, apela à responsabilidade de todos, recusando a ideia de que tenha havido imposições das autoridades à Igreja. Manifestando compreensão pela falta que as pessoas sentem de celebrar comunitarizante a Eucaristia reconhece que também sente saudades de celebrar a Missa em assembleia.
Num momento de grande emoção, partilhou o modo como viveu o momento de Consagração de Portugal ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria e a peregrinação do 13 de maio, reconhecendo não ter palavras para exprimir o que sentiu. “Gostava de ser poeta, porque só a poesia seria capaz de dar expressão a todas as nuances de sentimentos que vivi antes, durante e depois.”
Relativamente ao modo de receber a sagrada comunhão, D. António Marto sublinha que aceita diversas opiniões, mas apela a uma atitude de humildade e de aceitação das normas específicas para este tempo de pandemia. Recorda que a comunhão na mão era o modo próprio de receber o Corpo de Cristo na Igreja inicial. “Cristo disse ‘tomai e comei’, não disse ‘abri a boca'”. Sublinhando que é igualmente digno receber a comunhão na boca e na mão, reconheceu a comoção com que, em alguns momentos, deu a comunhão a mãos calejadas: “são mãos de trabalho, de sacrifício, de doação à família, aos outros… trazem ali as marcas.”
No final da conversa, D. António Marto deixa o desafio de que vençamos o medo da proximidade.
Fotografia: Miguel Fontes
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.