Se fizermos o exercício de recuar no nosso tempo, conseguiremos, provavelmente, recordar o momento em que foi decretado o encerramento das escolas. Desde esse momento, assistimos à escola, como a conhecemos e vivemos, a ter de se reinventar repentinamente. Percebemos, enquanto sociedade, que não há educação sem saúde, sem casa, sem educadores e educadoras que acompanham as crianças e jovens, sem famílias, sem recursos digitais ou sem acesso a um almoço decente.
As salas de aula dispersaram-se entre várias casas, as famílias aproximaram-se do espaço de ensino-aprendizagem e as comunidades escolares reencontraram formas de se manterem ligadas graças à capacidade de adaptação, ao esforço e à criatividade dos e das docentes, das direções e das famílias. Da sala de aula comprida e desordenada passámos aos quadrados bidimensionais das videochamadas, ao confinamento e ao isolamento social como medidas necessárias para realizarmos uma aprendizagem maior: a da nossa interdependência e corresponsabilidade pelo bem-estar das pessoas e do planeta.
Cada comunidade educativa, enquanto promotora de espaços e tempos de construção de aprendizagens que vão muito além das curriculares e que focam as competências da autonomia, da responsabilidade e da cidadania ativa das crianças e jovens, teve e continua a ter um papel essencial a desempenhar nesta aprendizagem maior.
Na FGS trabalhamos há mais de 12 anos com escolas na área da Educação para a Cidadania Global. Estes tempos de pandemia levaram-nos a reinventar os espaços de escuta, acompanhamento e reflexão com parceiros e participantes de projetos em contexto escolar, como o EDxperimentar, o Escola Ser Vivo e o Educação para a Cidadania. Fizemos e continuamos a fazer um processo conjunto de trabalho no sentido de percebermos como podemos caminhar juntos, mesmo que quadrado a quadrado, para, enquanto participantes das comunidades educativas, apoiarmos as escolas neste novo contexto emergente de aprendizagens. Do quadrado em quadrado, vamos passando ao Cuidado em Cuidado.
Deste caminho conjunto, gostávamos de partilhar três pontos que, a nosso ver, emergem como essenciais:
1. O cuidado relacional como pedra angular das aprendizagens
Cuidar, nutrir e proteger as relações educativas e de aprendizagem colaborativa e intergeracional torna-se algo ainda mais essencial neste novo contexto. É fundamental continuarmos a encontrar momentos e espaços não-formais, mesmo no regime à distância, para percebermos como estão os e as alunas, bem como os e as colegas e para, sem receios, falarmos deste momento como quem reconhece as dificuldades que faz emergir e como quem quer continuar a construir aprendizagens a partir das próprias experiências pessoais e coletivas. As redes sociais e as conversas em videoconferência, quando bem utilizadas e seguras, podem desempenhar um papel importante para estudantes e docentes enquanto espaços de partilha de vivências e aprendizagens, de (re)construção e (re)invenção de sentidos coletivos.
Nestes tempos reforçámos a ideia de que, seja presencialmente ou à distância, a educação tem um papel essencial a desempenhar na construção de comunidades locais, nacionais e globais mais justas e de democracias mais participativas e críticas.
2. Manter a ligação ao mundo real e à sua complexidade multidisciplinar
Este tempo de confinamento e de vida digital tem revelado, de forma ainda mais urgente, a necessidade de se ir além da passagem de conteúdos curriculares e de se facilitarem processos educativos que levem as crianças e os jovens a questionar o mundo para além do seu universo pessoal, como passo essencial para o conhecerem, compreenderem e se comprometerem com a sua transformação social. Este é um tempo que nos desafia a construir aprendizagens multidisciplinares, que colocam diferentes áreas do saber em diálogo colaborativo e que, de forma articulada, trabalham competências de pensamento crítico, de autonomia e de resolução de problemas.
3. A participação como desafio constante e transversal
A educação e o trabalho à distância não invalidam a participação enquanto princípio fundamental de uma educação para a autonomia, a responsabilidade e a cidadania crítica. Pelo contrário, desafiam todas as instituições e agentes envolvidos na comunidade educativa a uma criatividade pedagógica apoiada num quadro ético de justiça e transformação social, trabalhada a cada dia para se (re)construírem métodos participativos adaptados aos novos contextos. Este esforço reduzirá o risco de se estabelecerem relações educativas maioritariamente verticais e autoritárias que retiram às crianças e aos jovens a sua participação e autonomia.
Não sabemos o que vai ser a escola depois de passado este contexto excecional em que vivemos, mas nestes tempos reforçámos a ideia de que, seja presencialmente ou à distância, a educação tem um papel essencial a desempenhar na construção de comunidades locais, nacionais e globais mais justas e de democracias mais participativas e críticas.
Este texto, escrito pela Equipa de Cidadania e Desenvolvimento da FGS, foi adaptado a partir do artigo publicado na newsletter de maio de 2020 da CooLabora, CRL – Intervenção Social.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.